sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

RETROSPECTIVA/2010

Vamos começar de trás pra diante. A partir de 2011, firmei firme compromisso de me cuidar mais ao falar. Andam dizendo que estou muito relaxado ao me expressar. Pois não acreditam que até "eis" estou falando quando me refiro aos outros? A "eles". É uma falta grave. Perdoem-me!... Parece que estou de gozação, mas o assunto é sério. Deixe-me contar-lhes uma istorinha dos idos de 1968.
"In illo tempore" (naqueles tempos), é como se inicia todo evangelho em latim. Mais ou menos como "era uma vez". Pois é, já sem aspas, in illo tempore, estavamos três mosqueteiros sem mosquetes dando suas cacetadas no Colégio Liberato. Bom nome para um colégio, pois é onde se deve aprender os segredos da liberdade. Mas não é que, correndo da ditadura, nos aparece uma figura estranha, quase uma Dona Quixote. Que vê aqueles três quase imberbes jovens suando no misterioso ofício de ensinar, sem armas, sem traquejo, sem ter a quem apelar, e decreta: Vocês têm que receber preparação adequada e nos remete para BH para estudar. Consegue uma bolsa de estudos no Ministério da Educação, uma não, três. E uma ano depois voltamos diplomados, aptos a exercer a profissão e a assinar como professores. Antes, professores das cidades vizinhas assinavam e nos repassavam os proventos. Coisa que só acontecia no segundo semestre. Até sairem os primeiros pagamentos, quem precisava se socorria do Sr. Ari da Dona Zinha do Sô Nôca. Que vinha todo tranquilo e emprestava o dinheiro para a sobrevivência. Se garantindo com uma simples assinatura. Ainda não tínhamos bigode.
È aqui a istória. Quando cheguei na sala em que minha turma ia estudar, na saudosa FAFI da dra. Ângela Vaz Leão, do final da
Rua da Bahia, quando ela mudava de nome, logo depois da Contorno, e ouvi meus futuros colegas conversando, ou respondendo aos professores, coloquei a mão na boca. Quanta diferença!... Todos pronunciavam as palavras por completo. Não havia esse horror de "esqueceno, fazeno, vamo, etc.". Tinha que me policiar para não dar vexame. Nos fins de semana em que voltava a Babilonia, todos me olhavam assim meio de esguelha. Não sei se alguém chegou a fazer algum comentário... Enfim.
É isso. De 2011 para frente estarei falando com todos os esses e erres. Vejam que nesse caso o gerúndio cumpre sua função de ação continuada no futuro...
Mas voltando à nossa retrospectiva de marcha a ré, as chuvas estão cumprindo sua missão de molhar, derrubar barrancos principalmente nas estradas e no ribeirão, e deixar todo mundo com uma saudade danada do sol.
Um pouquinho antes das chuvas entoarem sua cantiga nos telhados, Babilonia parou e se movimentou para acompanhar TiDeza. Aquela mania que quase virou gerundismo de se falar Sô TiDeza não me convence. Vamos perdoar o Luciano, que foi ele que começou com esse mau costume, porque ele não deve ter entendido que "ti" é corruptela de "tio". Só no século anterior ao século passado é que se dizia "senhor meu pai", "senhora minha mãe", e por consequência, "senhor meu tio". Mesmo assim, ainda havia esse pronome possessivo "meu" caracterizando a relação. Imaginem se o Luciano dissesse "sô meu TiDeza", não ficava por demais estranho? Então o correto é TiDeza e pronto.
Foi a nossa olimpíada, nosso campeonato mundial. Todos aprenderam a pronunciar Mar-li-é-ria. Há mais tempo, quando Jaguaraçu era Grama, eles tinham um prazer especial em falar "marraégua". Tomaram papudos? Cadê o TiDeza de vocês? Vocês vão fazer um filme. Parabéns! Mas vão ser uns gatos pingados que vão assistir. Quero ver esse filme passar para todo o país e o mundo, que nem o nosso TiDeza. Até o Obama assistiu. E, além do mais, quem fez o roteiro desse filme e conseguiu essa proeza foi a Iole da dona Ana do sr. Juvenal que é de Babilonia. Nem adianta vocês outorgarem a ela o título de cidadâ honorária de Jaguaraçu (uma boa idéia que estou dando de graça para vocês), que ela continua sendo natural de cá. Quero ver mudarem a certidão de nascimento dela!... E tem outra coisa que é até covardia falar, mas vou falar porque é retrospctiva mesmo: Jaguaraçu significa Onça Grande, e como é que Babilonia se chamava? Onça Grande. Então a cidade de vocês não existe. Desaguaram as duas numa cidade só, pelo menos nominalmente. Um abraço e feliz 2011, que somos todos amigos e isso é pura bincadeira com as palavras.
Vamos picar essa retrospectiva. Hoje é dia 31 de dezembro. Tenho visitas e preciso dar um pouco de atenção. Já comecei, então acho que nesses próximos dias, vou conseguir continuar. Ainda tem TiDeza.. e depois os outros acontecimentos. Aceito e suplico sugestões.
AV

domingo, 3 de outubro de 2010

DE CANARIOS, SABIÁ E CHUCHU

Ouvi o canto do sabiá. Choroso, como sempre é o canto do sabiá. Porque na verdade ele não canta. Chora. Ou pedindo chuva, ou pedindo para a chuva parar. Sabiá nunca está alegre. É um pássaro triste. Por isso nunca falta aos velórios.


Mas ouvi também o canto dos canários. Trinado alegre. Saltitante. Celebrando a vida. Que o canário, ao contrário, nunca está triste.


Nessa despedida eles também compareceram. Seria inconcebível a ausência deles. Tenho certeza que dois deles eu reconheci. Aparecida e Lassalete. Vieram receber D. Zizica da única forma que ela merecia. Com alegria. A mesma alegria que ela sempre irradiou. Não foi à toa que ela morava lá no morro onde o sol nascia. Os raios do sol só chegavam cá em baixo depois de lhe pedirem licença. E vinham trazendo o seu sorriso.


Antes dos canários e do sabiá, à noite, a lua já comparecera trazendo sua homenagem. Dissolvendo a escuridão numa claridade suave e tranquila como a paz. O friozinho da noite aconchegando os corações.

Parece que ela e Julito combinaram. Resolveram ir juntos para reunir mais pessoas nessa despedida. D. Zizica sempre adorou festas. Gostava de ver muita gente reunida. Julito sempre apresentava aquele ar sério, parecendo de poucas palavras. Mas quem conviveu com ele sabe que só a cara era séria. No resto era um verdadeiro moleque. A genética não falha. De onde o Maurílio Piloloia tirou tanta molecagem?
Contaram-me que mantinha uma caprichada horta e não sonegava verduras a ninguém. Mas não deixava de fazer um comentário bem humorado: pode levar as verduras, também você mora sobre uma pedra, não tem como plantar uma horta.
E na famosa época de ouro do chuchu, Julito foi um dos maiores compradores no varejo. E a turminha dos vendedores mirins resolveu dar o tombo nele. Chegavam com as sacolas cheias, passavam pela balança e iam colocar o produto na sua caminhonete Studbaker preta parada na porta. Davam uma voltinha com se tivessem ido apanhar mais chuchus. Voltavam à sorrelfa ou à socapa, ao gosto do leitor, que nem nas receitas "sal a gosto". Retiravam, pelo lado oposto do veículo, a quantidade que conseguissem e chegavam vitoriosos alegando que tinham encontrado mais chuchus. Como chuchu era coisa que não faltava, pensavam eles que o Julito nem perceberia o golpe. Chuchu em Babilonia era tanto que se criou a expressão "pra chuchu" para significar alguma coisa em abundância total. E era tão legal que chuchu virou moça bonita. Chuchuzinho. E essas expressões foram parar nos dicionários. Olhem a nossa força no cenário nacional e internacional no universo dos países de língua portuguesa! Se o chuchu não tivesse fracassado acho que até o inglês iria adotar nosso "pra chuchu" lá no linguajar atravessado deles. Inclusive, isso me leva a crer que houve uma trama da CIA ou do FBI, ou dos dois em conjunto com ajuda da Polinter e da KGB, para acabar com a nossa produção de chuchu. Inveja pura.
Julito fingia que não percebia nada e tornava a pesar o chuchu já comprado e o comprava de novo. Mas quem colocava o preço no chuchu comprado era ele mesmo. Nisso os meninos espertinhos não punham tento...
Agora os dois se juntaram à grande colônia babilônica do além para torcer por nós e mandar uma chuvinha caprichada, sem barulhada, sem inundações, sem vulcões nem tornados. Quem sabe agora com a força nova do Julito até o chuchu volte àquela fartura dos tempos dele.


segunda-feira, 7 de junho de 2010

ROSA, rosinha

Ela enfrentou uma barra. Ela enfrenta uma barra. Antes, estava começando. Duas filhas pequenas e uma para nascer. Enviuvou. Agora, já tem uma família completa. Netos e uma neta que adora e que a adoram. Três bisnetas. Miniaturas das três filhas. Um genro que é o filho que não teve e adoraria ter. Uma filha que enfrenta uma barra parecida com a que enfrentou. Mas a barra agora é só sua. Numa cama de hospital. Com todos ao lado. Uma torcida maior do que a da seleção. Mas quem está em campo é ela. Parece que até o juiz torce por ela. Por enquanto o jogo está empatado. Já houve lances de perigo mas tem rechaçado todos. É daqueles beques da roça que chutam pra qualquer lado. Só não deixa o perigo ficar rondando sua área.
Mas deixemos que ela jogue o seu jogo. Vejamos lances de partidas anteriores.
Sua casa era meu ponto de apoio na cidade. Até escova de dentes tinha lá de plantão. Morador de periferia, numa época que carro era como ter avião hoje. Depois dos jogos de futebol, ir até minha casa para tomar banho, jantar, era uma perda de tempo incalculável. E onde deixar a bicicleta? Na casa dela. Desde a noite em que fui encontrar minha bicicleta dentro do ribeirão, debaixo da ponte. Artes do Piloloia. Pior que o saci pererê.
E aquela noite em que fui vítima da maior tempestade, sem nem um guarda chuvinha, fui pra casa vestido com roupas de minha prima. Naquela casa só havia mulheres. E olhem que nem no carnaval nunca me vesti de mulher. Não é preconceito. É falta de jeito mesmo.
E foi na casa dela, num dia dos namorados qualquer, que uma gracinha de menina me falou o que você vai me dar hoje, no dia dos namorados. E eu tinha uma barra do chocolate "diamante negro" no bolso. E foi saque rápido. E até hoje a gente sente o gostinho daquele chocolate.
Mas nas brumas da primeira infância ainda vislumbro aquela cena. Éramos pequenos. Não sei a idade. Só sei que a tia Nazinha tinha de ir ao médico em Acesita. Aí, minha mãe aproveitou a carona para ir também e a tia Rosa foi para cuidar de nós. Parece que o Zacarias também tinha uma consulta. Ficamos na pensão do Leite, enquanto as pacientes foram para o Hospital. De vez em quando a Cor Mariae, hoje Dona Có, tia Có, vovó Có, e eu íamos até um butequinho que havia numa praça próxima, comprar doces, guloseimas. E o cara do buteco era nem mais nem menos o hoje tão famoso tio Criolo, mais conhecido por mosquito.
Acho que já estávamos na escola porque nossos papos eram cabeça. Me lembro que começamos a conversar sobre o mundo. A terra redonda. Perdida no espaço. Rodando em volta do sol. Essas coisas... e não é que de repente a Cor lançou a pergunta chave: Mãe, se o mundo arrasar, nós entorna???...

sábado, 22 de maio de 2010

SOY LOCO POR TI AMERICA

Ele estava lá. Sentado ao seu lado. Coração apertado. A mente repassando suas vidas. Voltando ao inicio de tudo. De vez em quando, interrompido por alguém que chega pesaroso para cumprimenta-lo. E mente e coração se fundem. Cada lembrança era uma pedra se deslocando da imensa construção e caindo e calando fundo no coração.


Porque o amor é cimento. Mas concreto é diferente. Necessário se fazem outras misturas. A brita da paciência. A areia que se infiltra em toda a massa. É a união, é a amizade. Mas ainda está faltando a estrutura, a coluna vertebral. A ferragem que mantém a rigidez e a durabilidade do casamento é a cumplicidade. Que cúmplice é o que abraça o sonho do outro como se fosse o seu. De tal forma que acaba sendo. Enquanto conseguem sonhar, a união se sustenta.

Ela foi assim. Sempre sonharam juntos. Nunca disse eu disse que não ia dar certo! Sempre arregaçou as mangas e lutou junto com ele. Companheira em todas as ocasiões. Quando teve que trabalhar longe recebeu apoio, compreensão e incentivo.
Agora estava tão tranquila como se dormisse. Na verdade, estava dormindo. Porque sua presença será sempre sentida. Vai estar o tempo todo ao alcance da voz. Da voz silenciosa do amor, da lembrança e do confortável sentimento de que fez por ela tudo que podia ser feito. Durante sua doença foi mais do que seu anjo da guarda. Foi sua sombra, noite e dia. Devolveu-lhe toda a compreensão, carinho e apoio que dela recebeu a vida toda. É preciso deixar que ela descanse. A vida continua e ela continua viva em cada filha. Valeu a pena.
AV.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

ETA JURANDIR



Agora foi o Jurandir que resolveu passar a ver esse mundo de um ângulo mais abrangente. Foram anos de lutas contra o mal que o afligia. De lutas e de vitórias em batalhas dentro de uma guerra em que não temos chance de vencer. Temos que nos contentar com vitórias parciais, mesmo porque lutar é viver.



Conheci o professor Jurandir quando o Cartório era numa casa antiga que existia ao lado da casa do tio João, aliás, tio dele e que passou a ser tio de todo mundo. Achava a casa curiosa porque tinha uma varanda imensa em sua parte de trás. A fachada era comum a todas as casas do lugar. Na beirinha da rua, com entrada lateral. Foi nessa casa que morou o Sr. Joaquim de Assis e sua numerosa família. Depois passou a ser propriedade de um seu irmão, o Padre Joaquim, pelo que ouvi dizer. Foi nessa época que o Jurandir morou nela. Depois foi desmanchada e virou a rua que vai dar no almoxarifado da prefeitura. Foi mais uma perda do patrimônio histórico. Acredito que era uma das casas mais antigas da cidade.



O primeiro conjunto gerador de eletricidade da cidade foi instalado nos fundos dessa casa. Havia um portão por onde todos os curiosos entravam para ver o Sr. Homero lidar com o motor a óleo diesel que fazia o gerador, sob protestos, avermelhar as lâmpadas. Que eram lâmpadas demais para tão pequeno gerador. Também ele era manhoso. Só trabalhava se o sr. Homero, já com um braço só, lhe fizesse muitas promessas. Depois foi a vez do Piloloia também briquitar com esse motor. Mas isso são outras histórias...



Jurandir era professor de geografia no colégio e escrivão do cartório de registro civil e notas. Ex- seminarista, foi referência em cultura. Havia, na cidade, por sua causa, um dito popular. Quando alguém precisava descobrir alguma informação sobre qualquer assunto, todos lhe diziam, ao serem inquiridos: pergunte ao Jurandir, Jurandir é que sabe.



Batemos longos papos sobre literatura, geografia, história, que eram seus e meus pratos preferidos.



Depois ele se mudou para uma outra casa, no extremo oposto da praça. Bem na ponta do triângulo. Casa antiga que fora de seu pai, também já destruída. Gente, as casas antigas da antiga Babilonia já foram quase todas para o chão. Salvararam-se 0 sobrado do sr. Juca Pontes e a casa em que morou o Sr. Joaquim Condessa. A que foi do meu avô também já acabou. Tem só um restinho de fachada pedindo sopra, sopra que eu caio. O sobradão é exceção. Teve a sorte de ser adquirido por alguém que ama a cidade e quis presentea-la com uma reforma bem feita. Só que ele é mais novo do que essas casas a que me referi. Mas valeu o trabalho do Antônio.


Até que comprou do Murilo do Sr. Zezinho, verdadeiro João de barro, tantas foram as casas que construiu, essa em que morava atualmente e tinha seu cartório. Foi aí, não faz muito tempo, que ele me mostrou uma série de cadernos em que estava fazendo anotações genealógicas da população da cidade. Disse que conseguira mapear a árvore de sua família até o período da colonização, identificando seus ancestrais até o século dezesseis ou dezessete. Anotações que dariam uma obra de fôlego. Devem dar ainda. Os filhos não vão deixar a peteca cair.


Conseguiu publicar ETA BABILONIA no ano passado. Foi muito bom para ele e para todos nós. Trouxe-lhe vitalidade pelo dasafio da empreitada e nos deu um manual histórico de nossa cidade. Com fatos comprovados e informações que estavam a ponto de se perderem nas brumas do tempo. Eta nós!


Mas diziam que o Jurandir com aquela cara séria de pai de muitos filhos e filho do Sr. Antônio de Assis, era também muito jocoso. Pois não contavam, à socapa, entre seus alunos, para que ele não ficasse sabendo, que quando se casou, ex-seminarista, com toda aquela carga de castidade enrustida, toda vez que percebia os convidados distraidos, durante a cerimônia de seu casamento, e até no banquete que naquele tempo era obrigatório, dava um jeito de se achegar e conchichar com a noiva, sua querida Naná: olha Naná, e logo, hein Naná?!

segunda-feira, 15 de março de 2010

FILA PRA TUDO

Vocês já experimentaram, por exemplo, parar em algum lugar movimentado e fixar a vista em algum ponto distante? Pode ser num prédio, num ponto perdido no espaço ou nalguma aglomeração? Rapidamente vão se juntando outras pessoas perto de você tentando focalizar o que você estaria olhando. É batata! Nunca fiz a experiência mas já me garantiram que é verdade.

É a famosa curiosidade, que não é só feminina. É humana.

Mas por que isso agora?

Dia desses estávamos parados na fila de espera da construção do gasoduto. Como existem coisas irritantes! Meu colega do lado da fila, que essa é uma fila dupla, tripla, quíntupla, comentou que coisa injusta. Esse gasoduto vai favorecer algumas grandes empresas e nós todos temos que pagar o pato. Não dá para entrar na justiça contra esse abuso? Dá, mas quando você tiver uma manifestação da deusa Têmis acho que o gás que vai passar por esses tubos já estará esgotado.
Só que outras considerações me assaltaram o cérebro. Parece que a fila é uma instituição nacional. Aliás, dizem os mais viajados, que do mundo todo. Talvez, em algum paraíso mais bem organizado, não exista fila, ou elas seriam mais organizadas.
Se a fila é para organizar a prestação de serviços, por insuficiência organizacional ou quantitativa de prestadores desse serviço, deduzir-se-ia que fila é uma coisa organizada. Mas não é. Não sei se só no nosso querido país, ou se em todo o mundo. Com a palavra os internacionais.
Mas o problema é mais em cima, não em baixo. É na cabeça. Ou melhor, na personalidade. Não sei em que parte do corpo fica localizada essa atribuição.
É só você parar seu carro na fila direitinho. Atrás do que parou na sua frente que vem um passando pelo acostamento, procurando um espacinho para entrar. E vão entrando na cara de pau. Se você não quiser ser batido que dê espaço. Quando se libera o trânsito é aquela debandada geral. Conclusão. Quem parou no seu lugar, em ordem de chegada, vai ficando para trás. Os avançadores de filas vão pela esquerda e se enfiam na frente das carretas que largaram dentro dos limites que a física lhes proporciona e são obrigadas a parar para não os esmagarem. E os que estão seguindo dentro da organização que a fila proporciona ficam prejudicados no seu direito de avançar.
Quem pode resolver isso?
As professoras e professores nas gerações que estão chegando agora. Porque os pais não tem essa capacidade. São eles que cometem essa falta de educação e com os filhos dentro dos carros. Quer dizer, não existe exemplo a ser seguido a não ser os maus.
Mas o meu neto de cinco anos, aos três já me ensinava. Verde pode passar, vermelho é para parar. E o amarelo? É minha cor preferida, então é para ter cuidado. Mas nem todos os netos também são iguais. Então bola pra frente... mas pode ficar indignado que não dá enfarto.

sexta-feira, 5 de março de 2010

NANÁ

Só tenho escrito a respeito de pessoas que já tomaram o elevador. Mas preciso fazer pelo menos uma exceção. Preciso falar da Naná.
Está aqui, sentada no sofá, vendo novela e vibrando quando há alguma cena movimentada. Tipo briga entre os personagens, correria. Se há beijos ela comenta já começou a beijação. Antes dizia a lambeção. Não sei se alguém a orientou sobre o comentário mais adequado, ou se foi ela mesma que resolveu mudar.
Se ligo o laptop, para ela estou escrevendo. Escreveu muito hoje?
Nos seus 6/7,54 anos. Explico. Cinquentinha cronológica e seis ou sete mental. Há já um bom tempo que estacionou nessa idade. Isso os médicos já haviam avisado. Mas minha mãe não se conformava. Até atrás de milagres ela chegou a ir. Houve uma sepultura de um padre em Goiabal que começou a minar água. Minha mãe, com toda dificuldade, de carroceria de caminhão levou a Naná para ver se o padre dava um jeito.
Não se descobriu se foi algum problema no nascimento, na gestação ou falha em algum cromossamo. Nascia-se em casa, sem a menor assistência médica. Nem havia acompanhamento pré-natal.
Poucas coisas a atraem. A não ser as novelas. E quer novela a qualquer hora. Não tem a menor noção do tempo. Se o relógio da sala bate na hora do almoço ela já deduziu que é meio dia. Mas fora desse horário, não tem como.
Agora, durante o JN, foi lavar as vasilhas do jantar que acabamos de comer. Vibrou com o ovo frito que fiz na água. Aprendi a colocar um pouco de vinagre na água para o ovo não agarrar no fundo da frigideira e ela achou o máximo. Mamãe também fritava ovo na água, mas ela não sabia que precisava colocar vinagre. Mas o ovo agarrava? Agarrava não. Sei lá...
Tem umas frases feitas. Hoje tá fresco, né? Acabou de passar e falar. Gosta muito de falar que o tempo mudou para chuva, tenha sol ou não. Toda manhã quer saber se choveu. Às vezes quer que eu dê conta se alguém está em casa ou não. Se o cachorro late quer saber o porquê.
Mas tem algumas convicções. Quero morar nesta casa que meu pai e minha mãe deixaram para mim. Se fica irritada também se esquece da sua escolha e a casa pode cair. Porcaria de vida. E outras coisas menos edificantes.
E assim vamos levando a vida. Ela e nós, seus irmãos. As únicas pessoas que restaram para viver com ela e procurar dar-lhe uma qualidade melhor de vida. Para começar já conseguimos fazê-la frequentar a ginástica da terceira idade. Ela que é uma mistura de todas as idades.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

PARA MINHA MAE




Vendo você assim tão quieta me lembro do quanto você era espoleta. No princípio, por ouvir falar, você não descansava seus pes na máquina de costura. Era o dia inteiro, até altas horas da noite. Hábito já adquirido nos tempos de solteirice. Agora intensificado pela necessidade de ajudar na manutenção da casa. Você tem em mim testemunha sem vício. Lembra-se daquela noite que ficamos juntos, você costurando e eu escrevendo a palavra PENICILINA? Havia pronunciado PELICILINA e você não titubeou. Logo, à noite, enquanto eu estiver costurando, você vai escrever a palavra correta duzentas vezes para não esquecer. Nunca mais esqueci, nem da palavra nem dos olhinhos de nove anos ardendo com a fumaça da lamparina de querosene. Seus olhos não ardiam?
Depois de terminado o curso primário, você bateu o pé. Meus filhos têm de estudar mais. Eu queria tanto estudar e não pude. O pai, já antevendo um ajudante, teve de ceder. Aí veio aquela história de sonhar ter um filho padre. Não sei se era verdade. Você dizia que queria ser freira. Ou apenas conveniência, pois só em seminários era possível, para quem não tinha recursos financeiros, "estudar os filhos".

E foram aqueles anos intermináveis de arrumação daquela mala enorme. Conseguir uma forma de me fazer chegar ao destino. A sorte era que a turma era grande e sempre havia alguém que se responsabilizava pela condução dos futuros padres. Vingou só o padre Duile.

Anos ainda mais intermináveis para quem, na diminutas férias de quinze dias, se extasiava ao ver as meninas da pacatíssima cidade. Bem que os padres lá do seminário, antes da partida, recomendavam muito cuidado, principalmente com as primas.

Mas você não fez drama quando finalmente isso aconteceu. Seu sonho de dois filhos padres, nessa época já eram dois em seminários, acabou-se. Talvez um. Nenhum. Você agora arregaçou as mangas para que eles não parassem de estudar. Conseguiu mais essa vitória, aos trancos e barrancos.

Acolheu com o maior carinho aquela que escolhi para lhe darmos suas netas.

Então, veja a compensação, nesta foto. Você com as três, em altos papos.

Não virou freira. Não teve filhos padres. Mas conviveu com anjos.

E foram vários anos de bolinhos fritos. Estouradores. De idas e vindas. De preocupações, de tristezas, mas também de muitas alegrias. Os presentes de aniversários arrumados às pressas. Quase sempre sabonetes, pois sempre os tinha em estoque para uso da casa. E as meninas - vovó só dá sabonetes pra gente. Mas você queria agradá-las. Era o que você tinha assim na mão. Papel de presente também não era problema. Você tinha verdadeira paixão por eles e nunca os jogava fora. Alisava, alisava e guardava.

Até que, como no Gênesis, apareceu uma cobra. Agora entendi porque a Rachel tem esse pavor inexplicável desse bicho. Meu pai sempre afirmava que aquela picada marcou o início de tudo. A gente nunca concordou com ele. Mas, pensando bem, ele é que convivia mais de perto com você. Olhe eu a chamando de você. Sempre a tratamos de senhora. Eu acho você mais carinhoso. Quem sabe se ele não tinha razão?

E você foi murchando como uma folha no outono, antes de voar da árvore para se tornar fonte de vida no chão. Porque são as folhas que caem das árvores que lhes dão alimento.
Houve aquela fase de querer voltar para sua infância. Talvez numa tentativa inconsciente de lutar. E meu irmão a levou para ver a sua Serra. Mas você não acreditou. Não é essa a minha Serra. É claro que já não era mais.

E você quis ver o pé de murta que havia na escada da fazenda do seu padrinho Henrique. E o pé de murta também já havia morrido. Acho que ali você teve um lampejo e não quis ou não conseguiu lutar mais.

Mas ainda teve forças para lutar pelas tampas de suas panelas com outro anjo que apareceu na sua vida. Um anjinho louro enfoguetado que adorava espalhar as tampas pela casa e você partia para a luta - minhas tampas de panelas, não!- Você está se lembrando, pois vejo um sorriso em seu rosto.

E veio a queda e a fratura do fêmur. Ou a fratura do fêmur e a queda. Os médicos disseram que pode ter sido essa a ordem dos acontecimentos.E você não andou mais. Virou o nosso bebê. Que nunca chorou de noite. Que nunca deu o menor trabalho. Aguardava tudo com a maior paciência. Já não falava. Balbuciava, às vezes, alguns sons que não conseguíamos decifrar. Só movimentava os braços, apanhando alguma coisa no ar. Estaria conversando com seres do mundo em que estava prestes a ingressar? Os olhos abriam e fechavam sem expressar nenhum sentimento. Nem dor, nem alegria. Você parecia uma dessas bonecas modernas que mesmo sendo modernas não deixam de ser bonecas.

Uma pena porque apareceram mais bisnetos. Um, por ver você sempre deitada, dizia que você era a bisa que dorme. Mas os bisnetos que você não conheceu é como se não os tivesse perdido, esse é o consolo.

Agora eu fico olhando você assim tão séria, tão quietinha e pensando que lá fora, na madrugada fresquinha tão diferente dos dias desse verão, na imensidão azul, só podia ser azul, do universo, aquela estrelinha nova brilhando na constelação do Cruzeiro do sul está a nos acenar que ainda há esperança.

A sua bênção, minha mãe!












DO RAFAEL

Hoje quero celebrar a vida. E a vida não tem princípio nem fim. É um círculo. Esse é o símbolo mais perfeito. Onde o círculo começa e onde ele termina?
Há momentos em que o traçado se torna mais grosso. Como se o lápis ou o pincel empunhado pelo autor da vida tivesse deixado sair mais tinta que o normal. É quando a vida assume características especiais. Reveste-se de matéria que nada mais é do que uma das manifestações da energia.
E todos os círculos se interagem. Às vezes se sobrepoem. São os círculos familiares. E os traçados mais fortes vão coincidir em algum momento, por algum lapso de tempo. É o período em que pais, filhos e demais círculos convivem materialmente.
Rafael veio e tinha uma missão árdua. Cumpriu-a. A dificuldade da missão não se mede pela duração do traçado. Talvez pela sua intensidade. Mas nenhum círculo é autônomo. Depende dos que estão acima, abaixo e ao lado. É preciso que esses traçados que o circundam e sobrepõem sejam suficientemente fortes para dar-lhe condições de executar sua missão. Caso contrário essa missão é abortada e fica para acontecer em outra ocasião.
Quem sabe quantas vezes Rafael tentara e não encontrara círculos capazes de lhe dar sustentação?
Então, aconteceu. Muitos sofreram por ele e com ele. Mas uma imagem poética muito antiga dizia que o sofrimento é como o processo utilizado pelos garimpeiros. Eles colocam o mercúrio no cadinho junto com o ouro impuro e os submetem a fogo intenso. Esse calor provoca o derretimento da mistura e a separação do ouro puro da borra que adere ao mercúrio. O sofrimento quando passa traz esse brilho do ouro puro.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

CARNAVAL DE NOVO

O carnaval chegou outra vez. Me lembrando que esse blog está completando um ano de idade carnavalesca. Aniversário civil será no dia 23. Então sopraremos a primeira velinha.
Hoje, agora estou em Ipatinga. Me preparando para ir, amanhã, de novo para Babilonia.
Na tv, o desfile da Águia de Ouro de São Paulo.
Foram algumas postagens sem o menor comprometemento de regularidade e de assunto. Apareceram os seguidores. Vinte e oito. Mais ou menos o número de textos publicados.
Agradeço a todos vocês a paciência e o incentivo. Acho que vou tentar emendar mais um ano de escrevinhação. Também não sei fazer outra coisa...
Se o número de seguidores começar a diminuir, então será o acendimento da luzinha vermelha do desconfiômetro e tirarei meu espaço de campo.
Então, Feliz carnaval! Com alegria e responsabilidade. Lembrando que álcool não se mistura com direção e que o importante é que muitos outros carnavais ainda virão. Este não é o último. Então reserveum pouco de você para os próximos carnavais. Não se acabe nesse.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

TRÊS XÍCARAS DE CHÁ IV

Vamos acelerar essa história. Acho uma besteira esse negócio de estabelecer diferença entre história e estória. A própria História não está eivada de estórias? Pois é...

Mas comecei a falar desse assunto achando que num texto só chegava onde queria. Esse já é o quarto e nem sei se acaba hoje. Também se fosse direto ao ponto, ia ficar todo mundo no ar. Tive mesmo que fazer toda essa introdução.

Veio o inverno e Mortenson voltou para seu país. Arrumou um emprego de enfermeiro e começou a procurar patrocinadores para cumprir sua promessa. Começou a escrever numa velha máquina muito pequena para suas mãos, alugada por 1 dolar por hora. Depois de 5 horas só havia datilografado 4 cartas. Colocou-as no correio.

Planejou escrever para todos os senadores do país, artistas, estrelas de cinema, cantores de música pop. Copiava os endereços em revistas que traziam a lista dos cidadãos mais ricos.

Aprendeu a usar o computador e achou muito mais fácil.

Por meio de sua mãe que era diretora de uma escola elementar em Westside, conseguiu autorização para fazer uma palestra, com apresentação de slides, para seiscentas crianças de sua escola. Um mês depois recebeu uma carta com um cheque de 623,45 dólares que as ciranças conseguiram numa campanha intitulada "centavos para o Paquistão". Elas encheram duas latas de lixo de 40 litros com 62.345 moedas de 1 centavo. Foi o primeiro passo.

Por fim, depois de idas e vindas, conseguiu o patrocínio de um milionário proprietário de uma indústria de semicondutores. Dr. Jean Hoerni fora alpinista na juventude e conhecia toda aquela região e tentara escalar o Everest uma dúzia de vezes.

Perguntou-lhe de quanto precisava e Mortenson lhe disse que fizera uma pesquisa e acreditava que com doze mil dolares conseguiria construir a escola. Então o Hoerni lhe mandou um cheque de 12.000 dolares com um bilhete: Me mande uma foto da escola pronta e não me sacaneie. Cordialmente, J. H.

Bem, resumidamente, Mortenson voltou para lá depois de vender tudo que podia, incluindo o carrão velho para conseguir dinheiro para suas despesas e as passagens. Depois de várias peripécias, muita confusão para conseguir comprar o material e levá-lo até aquela altitude, etc. iniciaram a obra da escola.

Mortenson tentava ser um mestre de obras severo. Passava o dia inteiro no canteiro de obra, do nascer ao pôr do sol, usando o prumo para certificar-se de que as paredes estivessem retas e o nivelador de chumbo para checar se estavam alinhadas. Tinha sempre um bloco de anotações na mão, e controlava todos, ansioso para fazer valer cada rúpia investida. Ele não queria decepcionar Jean Hoerni, então cobrava pesado deles.

Uma tarde, no começo de agosto, Haji Ali tocou o ombro de Mortenson e chamou-o para dar uma volta. O ancião conduziu o ex-alpinista morro acima por uma hora. Mortenson achou que estavam perdendo um tempo precioso, quando Haji Ali parou sobre uma laje estreita bem acima da aldeia. Mortenson estava de língua de fora, só de pensar em tudo o que estava deixando de acompanhar desde que saíra da obra.
Haji Ali esperou até Mortenson recuperar o fôlego, então lhe pediu que olhasse para a paisagem. O ar estava cristalino de uma forma que só a altitude consegue deixar. Além de Korphe K2, os picos de gelo do interior do Karakoran erguiam-se, sucessivos, contra um profundo céu azul. Trezentos metros abaixo, Korphe, verdejante entre plantações de cevada madura, parecia pequena e vulnerável, uma jangada viva à deriva sobre um mar de pedra.
Haji Ali estendeu o braço, colocando a mão sobre o ombro de Mortenson.
-- Estas montanhas estão aqui há muito tempo, disse ele. E nós também.
Ele tocou o topi de pele de carneiro marrom-escuro, o único símbolo de autoridade que o murmadhar de Korphe usava, e ajustou-o no alto da cabeça grisalha.
-- Você não pode dizer às montanhas o que fazer, disse ele, com um ar grave que traspassava Mortenson tanto quanto a vista que tinha do alto. - Você deve aprender a ouvi-las. Então agora estou lhe pedindo que me ouça. Pela glória de Alá, o Todo-Poderoso, você já fez muito pelo meu povo, e nós lhe agradecemos. Mas agora você precisa fazer uma coisa a mais por mim.
-- Qualquer coisa, respondeu Mortenson.
-- Sente-se. E fique de boca fechada, disse Haji Ali. Você está deixando todo mundo doido.
Ele estendeu o braço e pegou seu nivelador de chumbo, seu prumo, seu caderno de anotações e desceram em direção a Korphe. Ele pegou a chave que mantinha pendurada numa tira de couro em volta do pescoço, abriu uma portinhola de madeira decorada com imagens budistas apagadas. Trancou as coisas de Mortenson lá dentro, com um pouco de carne seca de íbex, seu colar de contas de oração, e seu velho mosquete inglês. Então pediu a sakina, sua mulher, para lhes trazer chá.
Quando as tigelas de porcelana com chá amanteigado escaldante chegaram às suas mãos, Haji Ali tornou a falar:
-- Se você quer sobreviver no Baltistão, deverá respeitar o nosso modo de vida. Na primeira vez em que toma chá com um balti, você é um estranho. Na segunda vez, um convidado de honra. Na terceira, você já faz parte da família, e, pela família, fazemos qualquer coisa, até morrer.
Ele colocou a mão amistosamente sobre a de Mortenson.
-- Doutor Greg, você precisa de tempo para compartilhar três xícaras de chá. Podemos não ter educação. Mas não somos estúpidos. Vivemos e sobrevivemos neste lugar há muito tempo.
-- Naquele dia, Haji Ali me ensinou a lição mais importante que eu aprendi na vida, diz Mortenson. Nós, norte-americanos, pensamos que temos que realizar tudo rapidamente. Somos o país dos almoços de trinta minutos, e dos dois minutos de exercícios de futebol. Nossos líderes pensaram que a campanha de "choque e horror" poria fim à guerra no Iraque, antes mesmo de ela começar. Haji Ali me ensinou a compartilhar três xícaras de chá para diminuir o passo, e fazer com que a construção de relacionamentos fosse tão importante quanto a realização de projetos. Ele me ensinou que eu tinha mais a aprender com as pessoas com quem trabalho do que eu poderia esperar ensinar a elas.
(Era isso que eu queria compartilhar com vocês). O livro continua, nem vou ter a pretensão de escrevê-lo todo aqui. Mas só para dar uma palhinha, o tal milionário acabou morrendo de uma doença rara, mas antes criou o " Instituto da Ásia Central". Fez um depósito de um milhão de dólares na conta dessa instituição e nomeou Mortenson seu Diretor, com um salário de vinte mil e tantos dólares anuais e a incumbência de construir mais cinquenta e cinco escolas naquela região.
Quando acabar de ler o livro, se achar mais alguma coisa interessante, solt0-a aqui. Combinado?

domingo, 7 de fevereiro de 2010

TRÊS XÍCARAS DE CHÁ III

Mortenson passou a acreditar que não teria como retribuir a acolhida que recebera de seus anfitriões em Korphe, mas determinou-se a tentar. Começou a dar todos os seus pertences. Pequenos objetos úteis como garrafas térmicas e lampiões eram eram inestimáveis para os baltis, que caminhavam longas distâncias para pastorear seus animais durante o verão, e distribuiu-os entre os membros da extensa família de Haji Ali.
Mas foram os suprimentos que levara no kit médico da espedição, além de sua experiência como enfermeiro de traumatologia, os itens mais valiosos. Todos os dias, à medida que se recuperava, passava cada vez mais horas escalando as íngremes passagens entre as casas de Korphe, fazendo o possível para atendê-los no que precisavam. Com tubos de pomada antibiótica, tratou feridas abertas, lancetou e drenou ferimentos infeccionados. Aonde fosse, em todos os lares, via olhares implorando por auxílio, e baltis mais velhos que sofriam em silêncio há longos anos. A notícia sobre seu atendimento se espalhou, e os doentes que viviam nas redondezas de Korphe começaram a enviar parentes para buscar o "Dr. Greg", como ele passou a ser conhecido a partir de então no norte do Paquistão, não importava quantas vezes tentasse lhes dizer que era apenas enfermeiro.
Frequentemente, durante sua permanência em Korphe, sentiu a presença de sua irmã caçula Christa, especialmente quando estava com as crianças da aldeia.
Tudo na vida deles era com sacrifício, lembrando-lhe o modo como Christa penava para fazer as coisas mais simples. E também como ela perseverava, não importasse que dificuldade a vida lhe apresentasse.
Decidiu que quando chegasse a Islamabab, usaria todo o dinheiro que pudesse para comprar livros didáticos para serem usados na escola ou outro material escolar. Antes de dormir, deitado junto à fogueira disse a Haji Ali que queria visitar a escola de Korphe, e insistiu mesmo depois de perceber o olhar evasivo do homem. Finalmente, o chefe concordou em levá-lo à primeira hora, na manhã seguinte.
Depois do café da manhã, Haji Ali conduziu Mortenson por uma escarpa até uma extensa laje a 250 metros acima do Braldu. A vista era esplêndida, com as geleiras gigantescas do alto Baltoro contra o azul muito acima das paredes rochosas e cinzentas de Korphe. Mas Mortenson não estava admirando a paisagem. Ele estava estupefacto ao ver 82 crianças, 78 meninos e quatro meninas que tiveram a coragem de acompanhá-los, ajoelhados no chão gelado, a céu aberto. Haji Ali, evitando encarar Mortenson, disse que a aldeia não possuia uma escola, e que o governo paquistanês não lhes mandara um professor. O salário de um professor era de um dólar ao dia, ele explicou, que era mais que a aldeia poderia pagar. Então, dividiam um professor com a aldeia vizinha de Munjung que lecionava em Korphe três dias por semana. Durante o restante do tempo, as crianças faziam sozinhas as lições que lhes eram passadas.
Mortenson observou, com o coração na boca, os alunos atentos começarem seu "dia escolar" cantando o hino nacional do Paquistão. Abençoada seja a terra sagrada. Feliz o reino da abundância, símbolo das altas esferas, a terra do Paquistão, eles entoavam com doce inocência, com a fumaça saindo de seus hálitos, sinalizando a proximidade do inverno. Viu a neta de Haji Ali de 7 anos, Jahan, alta e imponente, usando um véu sobre a cabeça, enquanto cantava. Que a nação, o país e o estado brilhem em perpétua glória. O crescente e a estrela desta flâmula conduzam o caminho para o progresso e a perfeição.
Quando entoaram a última nota do hino, as crianças se sentaram em círculo e começaram a copiar as tabuadas de multiplicação. A maioria escrevia no chão com gravetos que haviam trazido. As mais "afortunadas", como Jahan, tinham tabuletas de madeira, nas quais escreviam com varetas com a ponta umedecida com lama.
Havia neles uma vontade de aprender tão grande, apesar de todas as dificuldades, que se lembrou de Christa e pensou que tinha que fazer alguma coisa.
Mas o quê? Tinha dinheiro suficiente apenas para viajar de jipe e ônibus de volta a Islamabab e pegar o avião para casa, se comesse pouco e ficasse nas hospedarias mais baratas.
Na Califórnia, ele somente poderia esperar por trabalhos esporádicos de enfermagem, e a maior parte de seus bens cabia no porta-malas do seu buik borgonha, bebedor de gasolina que era o que poderia chamar de lar, o "La Bamba". Ainda assim, deveria haver algo que pudesse fazer.
Ao lado de Haji Ali, num ponto alto do vale, com uma visão cristalina das montanhas que fizeram com que cruzasse a metade do mundo para escalar o K2, todo o propósito de colocar um colar de Christa no alto, de repente, perdera o sentido. Havia algo muito mais significativo que poderia fazer para homenagear a memória de sua irmã. Colocou as mãos sobre os ombros de Haji Ali, um gesto que o ancião fizera tantas vezes desde que tomaram sua primeira xícara de chá.
-- Vou construir uma escola para vocês, disse ele, ainda sem perceber que, com estas palavras, o rumo de sua vida acabara de mudar definitivamente de direção, tomando um caminho muito mais serpenteado e árduo do que as trilhas que tomara desde que descera do K2.
-- Eu vou construir uma escola, disse Mortenso. Prometo que vou.
(continua).

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

TRÊS XÍCARAS DE CHÁ II

É que, de repente, Mortenson se lembrou que seu plano de conquistar o K2 nada mais era do que a vontade de fazer uma homenagem à sua irmã Christa, doze anos mais nova do que ele.
Quando ela tinha 3 anos, viviam na Tanzânia, onde seus pais, nascidos no Minnesota, trabalhavam como professores e missionários luteranos. Christa contraiu meningite aguda e nunca se recuperou totalmente. Greg, então com 15 anos, se autodeterminou seu guadião. Embora ela se esforçasse para fazer coisas simples - vestir-se de manhã tomava quase uma hora - e sofresse fortes ataques epilépticos, Greg pressionou sua mãe, Jerene, para permitir que ela tivesse um pouco de independência. Ele ajudou Christa a conseguir um emprego em trabalhos manuais, ensinou-lhe o trajeto dos ônibus públicos, para que ele pudesse ir aonde quisesse e, para vergonha de sua mãe, discutiu detalhes sobre controle de natalidade, quando descobriu que ela estava namorando.
Todos os anos, servindo como médico e comandante de pelotão do exército norte-americano na Alemanha, trabalhando como enfermeiro em Dakota do Sul, estudando neurofisiologia da epilepsia numa faculdade em Indiana, na esperança de descobrir uma cura para Christa, ou vivendo como alpinista sem-teto num carro em Berkeley, Califórnia, Mortenson insistia que a irmã viesse visitá-lo durante um mês ao ano. Juntos iam assistir a espetáculos que muito a alegravam. Iam às 500 Milhas de Indianápolis, ao Kentucky Derby, iam de carro à Disneylândia, e ele conduziu-a através da estrutura arquitetônica de sua catedral pessoal naquela época, as paredes de granito do Parque Nacional de Yosemite.
Para o vigésimo terceiro aniversário, Christa e a mãe planejaram uma peregrinação do Minnesota aos campos de trigo em Deyersville, Iowa, onde o filme a que Christa assistira inúmeras vezes, O campo dos sonhos, fora filmado. Mas, no dia do seu aniversário, nas horas que antecederam à partida pela manhã, Christa morreu, depois de sofrer uma forte convulsão.
Após a morte de Christa, Mortenson pegou um colar de contas de âmbar entre os poucos pertences guardados da irmã. Ainda tinha o cheiro da fogueira que acenderam na última vez em que viera visitá-lo na Califórnia. Ele trouxera o colar para o Paquistão envolto em uma bandeira tibetana de oração, com um plano para honrar a memória da irmã caçula. Mortenson era alpinista e decidira prestar a homenagem mais significativa para ele. Iria escalar o K2, o cume que a maioria dos alpinistas considera o mais difícil de alcançar, e deixar o colar de Christa a 8.611 metros de altitude.
Como fracassara em seu intuito, de repente, resolveu voltar para aquela aldeia desconhecida que o socorrera e descobrir o que poderia fazer por eles como prova de sua gratidão e para homenagear sua irmã.
A partir da casa de Haji Ali, o chefe da aldeia, Mortenson criou uma rotina. Todas as manhãs e tardes circulava por Korphe, sempre acompanhado pelas crianças que o puxavam pelas mãos. Ele viu como esse pequeno oásis verde em meio ao deserto rochoso e empoeirado sobrevivia, graças ao trabalho dedicado, e admirou as centenas de canais de irrigação, feitos manualmente, mantidos pela aldeia, que distribuiam a água das geleiras, regando os campos e pomares.
Fora do Baltoro, fora do perigo, percebeu quão precária havia sido a sua sobrevivência, e como estava enfraquecido. Mal conseguia descer o caminho que leva até o rio e ali, na água gelada, quando tirou a camisa para lavá-la, ficou chocado com a sua aparência:
- Meus braços pareciam palitos de dentes, pareciam ser de outra pessoa.
Arrastando-se de volta até a aldeia, sentia-se trêmulo como os anciôes que ficavam sentados por longas horas sob os damasqueiros de Korphe, fumando e mascando sementes de damasco. Depois de uma hora ou duas por dia perambulando, sucambiu à exaustão, e voltou a olhar para o céu, deitado em seu ninho de almofadas junto à lareira de Haji Ali.
(continua).

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

TRÊS XÍCARAS DE CHÁ.

Estou lendo "a terceira xícara de chá" de Greg Mortenson e David Oliver Relin. Este último é um jornalista que narrou, neste livro, a história do homem que combateu o terror com escolas e livros no Afeganistão e no Paquistão, Greg Mortenson.
Mortenson era um alpinista norte-americano que, em 1993, se extraviou da comitiva de carregadores e guias levada por ele e outro alpinista, Scott Darsney, para tentarem escalar o K2, a segunda mais alta montanha do planeta e considerada pela maioria dos alpinistas como a mais difícil de ser escalada.
Haviam fracassado na tentativa. Na descida ele foi se afastando dos outros e se perdeu na geleira chamada Baltoro que mais se parecia um labirinto do que uma trilha.
Passou a noite sozinho na montanha gelada, tendo apenas um cobertor de lã fina do exército paquistanês, um cantil vazio e uma barra de cereal. Todos seus outros acessórios, saco de dormir forrado de plumas, roupas quentes, tenda, fogão, comida, até o lampião e os fósforos estavam na mochila que um dos carregadores transportava.
No manhã seguinte, com a claridade, perambulou metade do dia até encontrar o carregador que também se afastara da comitiva no intuito de encontrá-lo. Caminharam, como puderam, por mais sete dias para alcançarem a aldeia natal desse seu anjo da guarda de nome Mouzafer. A aldeia se chamava Askole.
Normalmente, à tarde, Mouzafer andava mais rápido para preparar o acampamento e o jantar, enquanto Mortenson ia mais devagar parando para descansar com frequência. À noite, a fumaça da fogueira de Mouzafer o guiava até chegar ao local de dormir.
Só que no sétimo dia, quando Mortensom avistou as primeiras árvores, cinco álamos curvados pelo vento, como o aceno de uma mão acolhedora, extasiado, contemplando o aspecto verdejante das árvores, não viu a trilha principal que se bifurcava até o rio e ele se perdeu pela segunda vez. Deveria ter atravessado o rio para seguir para deu destino, Askole, que ficava a treze quilômetros ao norte. Em vez disso, continuou na trilha que margeava o sul do rio, seguindo em direção às árvores.
Resumindo, acabou chegando numa outra aldeia de que ele nunca ouvira falar e que também nunca vira um estrangeiro, Korphe.
Em Korphe, foi recebido e acolhido e quando perguntou por Mouzafer é que perceberam o engano. Mas não o deixaram sair porque se gastaria mais um dia para chegar lá.
Ele acabou ficando nesta aldeia até se recuperar fisicamente.
No final do dia seguinte ao de sua chegada ouviu uma grande gritaria e foi, com a maioria dos moradores, até o penhasco sobre o rio Braldu, quando viu um homem pendurado sobre uma caixa suspensa por um cabo de aço estendido a 60 metros acima da água. Cruzar o rio dessa maneira diminuia meio dia de caminhada, mas uma queda seria fatal. Quando o homem chegou ao meio do desfiladeiro, Mortensom reconheceu Mouzafer, e viu que ele estava enfiado no pequeno cesto, feito de restos de tábuas, em cima de uma mochila de 40 quilos.
Reencontrou Darsney e foram de jipe até Skardu onde havia um alojamento de alpinistas chamado K 2 Motel. Mas Mortenson sentiu que alguma coisa o chamava de volta a Korphe, e retornou assim que conseguiu uma carona.
( Esse relato vai continuar porque a mensagem que essa história vai repassar ainda demora um pouco).

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

VALE REAL E RIO MARLI

De vez em quando, muito de vez em quando, por sinal, alguem ao me encontrar diz que gostou de tal e tal coisa que apareceu escrita aqui. Então, simploriamente, pergunto porque não postou um comentario que me daria muito prazer de ler. Afinal esse blog não é de mão única. Então me respondem que não conseguem. Resolvi experimentar. Achei meio estranho. Parecia que o micro travava. Mas consegui postar um, aliás dois comentários sobre o comentário. Confiram. É que tem um tal de perfil para selecionar. Mas optando pela conta do google a coisa funcionou. Pois é.
Mas isso foi só um parentesis. Domingo passado, que foi ontem, fui ver um embate futebolístico, como diriam os puristas da língua, entre o time profissional de futebol da cidade de Itabira, o Valério, versus a seleção de Marliéria, minha terra babilônica.
Pra começar, descobri que o time de minha terra natal agora se denomina REAL MARLI. Vejam que a troca de duas letras traz uma evocação muito forte em se tratando desse esporte. Na verdade, troca-se apenas uma letra. O R é deslocado de sua posição inicial. É recuado como se recebesse a missão de armar um esquema de retranca. E o D é substituido pelo polivalente L. Para atuar com Liberdade, Ligeireza, ligando a defesa ao ataque, como dizem nossos consagrados e não menos comptetentes comentaristas.
Mas não houve estratégia linguística que desse jeito. o RIO do VALE não tomou conhecimento de tanta sofisticação. No início houve um embolamento natural para tão exuberantes atletas em tão exíguo espaço físico. Mas assim que conseguiram calibrar os passes, diminuir a força e se adequarem ao tamanho do campo, impuseram sua superioridade atlética e técnica. Sem esforço construiram um placar, mesmo porque o estádio não tem placar, virtual de 8 a 1. Se tivessem combinado antes da partida que o mais fraco teria seus gols multiplicados por dez (10), poderiamos agora nos vangloriarmos de ter vencido um time profissional que disputa a série B do campeonato Mineiro, por exatos 10 a 8 (dez a oito). Vejam como é importante um ajustamento prévio. É por isso que se aconselha que ninguém deve assinar um contrato sem consultar seu advogado. Se tivessem me consultado...

sábado, 2 de janeiro de 2010

NO ANO NOVO

Estou de bobeira acompanhando a copinha da cidade de São Paulo. Pela internet. Que anunciaram no jornal transmissão pela tv paga. PFC só jogos antigos. SportTV 2 também não sabe de nada. São as que tenho. Aí, na internet uma boa notícia. Até agora 5 X 0 num tal de S. José de Porto Alegre.Já dá para começar.

Mas o ano começou brabo. Parecia que estava profetizando na última postagem. Aí, o ser humano tanto provocou que a natureza deu o troco. Deslizamentos de terra fazem vítimas por todo lado. Parece que a beleza natural foi feita só para ser admirada. Contemplada. Não é para ser possuída. Porque o homem quando se apropria de alguma riqueza natural, via de regra, se torna egoista. É só dele. Os outros só poderão usufruir se pagarem.

Por enquanto ainda restam o ar e o sol, também a lua que nenhum homem conseguiu aprisionar para vender aos seus semelhantes. Por enquanto. O ar ele não pode registrar ainda como propriedade particular, por isso o empesteou com todo tipo de poluição. O sol, de certa forma, ele o nega aos outros. Vejam vocês. Você mora durante vinte, trinta anos com o sol nascente lhe dando bom dia em sua janela. A lua lhe dando boa noite. De repente, surge como assombração um espigão enorme à sua direita ou à sua esquerda lhe dizendo de agora em diante nada de sol ou lua. Se você conseguiu um dispositivo para aquecer sua água de banho com a energia do astro rei, achando que estava contribuindo com a coletividade humana. Gastando menos energia elétrica, sobrando mais para todo mundo. Diminuindo o perigo de apagões. Mas não. Bobeira sua. Quem é mais esperto ergue na sua cara um muro que tira sua visão, sua brisa no verão. torna ineficiente seu investimento e pode espernear que não adianta. Não existe lei que proiba o mais esperto passar a perna no seu semelhante. A gente projeta uma lojinha e pode ocupar o lote todo. Depois a lojinha vira garagem. A prefeitura com letra minúscula aprova.

Olhem que até Deus com maiúscula vira deus e vai ser vendido em prestações. Aliás, já é.

Até me esqueci do jogo. Nem vou parar paara ver como ficou.

Mas a gente vê também quem se preocupa com seu semelhante. E age para ajudar. Esse restinho de humano que existe em muitas pessoas é que nos dá esperança. Quem sabe os espertos um dia vão entender que não adianta querer tudo. Açambarcar tudo é bobagem. A natureza é de todos, assim como a praça é do povo e o espaço é do condor.