segunda-feira, 28 de novembro de 2011

OS RAIMUNDOS III (continuação)

Esse, dos quatro, o mais novo. Agora, já entradinho nas eras, mas continua ainda o mais novo da turma. Essa, a vantagem da Matemática. Existe uma época da vida em que a gente tem o dobro ou a metade da idade de alguém. Essa relação vai se modificando a favor do mais velho. Eu tinha vinte anos e você, dez. Nos meus trinta, você vinte. Você tinha metade, agora tem dois terços. Quando eu chegar aos cem você terá noventa. Noventa por cento da minha idade. Eu, mil, você novecentos e noventa anos: igual a noventa e nove por cento. Acho que no final dos tempos, no infinito, teremos a mesma idade, ou você será mais velho do que eu.


Mas o Raimundinho está mais perto de mim. Nossa diferença não chega a três anos. Desde pequeno com o bumbum virado pra lua. Quer coisa melhor do que morando junto com a avó, ser afilhado dela? Porque fomos criados todos juntos, pai, mãe, avô, avó e tias. As tias foram se casando e indo embora. E o afilhado sempre protegido pela vovó-dindinha. Artes e mal feitos só os outros cometiam. Se fosse para apanhar era só correr e se esconder atrás da saia comprida que ninguém tinha coragem de desrespeitar a mãe ou a sogra. Ovo fresco todo dia. Os outros, o outro principalmente, só se assaltasse o ninho logo depois da galinha botar.


Tínhamos as obrigações diárias. Descascar milho, socar o arroz e o café, cozinhar banana verde e depois misturar com fubá e tratar dos porcos, debulhar o milho no debulhador grande de madeira e manivela. Nessas tarefas ao ajudar o afilhado, ela acabava ajudando a todo mundo e era muito bem vinda.


Mas quando a avó ia rezar o terço, sentadinha no banco comprido do corredor, iam os três pedir vó conta uma história. E ela contava a história de Joaozinho e Maria. Água meus netinhos. Azeite minha vó. E a vó da história morria assadinha pelos meninos da história. E a gente não sabia se tinha dó da outra avó ou dos meninos coitadinhos que se perderam na floresta e foram achados pela bruxa má que gostava de comer meninos gordinhos e assadinhos. Que nem na história dos porquinhos, só que esses tinham até casas e chaminé pra queimar a bunda do lobo mau.


Mas nem sempre a história chegava ao seu final. A vovó tinha a mania de começar a contar história e fechar os olhos enquanto falava. Deve ser porque sabia a história de cor ou para dar um cochilozinho enquanto automaticamente continuava a desfiar as peripécias dos dois heróis. E a gente sorrateiramente saía de fininho e a deixava falando sozinha. Quando ela abria os olhos e não via ninguém, ficava embrabecida e era uma semana sem histórias. Aí entrou em cena o afilhado. Era só a gente começar a sair e ele delatava. Vó tão saindo. E nós tínhamos de voltar se quiséssemos continuar tendo contadora de histórias todos os dias.


E tão malandro foi ficando que quando nossa irmã reclamou que ele não apanhava, inventou de dizer que ela também não sentia a dor das varadas porque a saia dela protegia as pernas. Aí ela sugeriu que ele vestisse suas saias e dispensasse a proteção avoenga. Quem disse que ele topou...


Depois, os depois estragam tudo, nos separamos. Fui para um lado e ele foi para outro ainda meninos por volta dos dez anos. Quando voltamos a conviver já éramos pós adolescentes, quase adultos. E voltamos a nos separar de novo, apesar de estarmos na mesma empresa e na mesma labuta. Agora que já temos todo o tempo, continuamos cada um do seu lado, pelo menos tendo ainda um elo de ligação que nos aproxima um pouco periodicamente. Viva a Naná.




AV.