terça-feira, 29 de julho de 2014

HOMENAGEM A TACAO

Ainda o conheci Taquinho. Das carteiras das “Escolas Reunidas de Marliéria”, do antigo Grupo escolar que virou seminternato que virou biblioteca. Do tranquilo sítio Provisório, onde passava a semana com os avós para ficar mais perto da escola. Armando arapucas para pegar passarinhos. Ajudando o avô Luiz Gonzaga nos pequenos trabalhos diários. Fazendo estilingues com gancho de pé de goiaba e borracha de câmara de ar de pneu de bicicleta. Gaiolas e alçapões com talos de embaúbas e lasquinhas de bambu. Depois Taquinho foi estudar para ser padre, em Pará de Minas. Aí chegou outro Taquinho menorzinho e o nosso Taquinho foi promovido. Só que não passou pelo estágio que seria normal de virar Taco primeiro. Foi direto para Tacão. O engraçado que nem tão “ao” era então. Esse proeminente arcabouço só veio muito depois com a evolução natural das espécies anunciada pelo famoso estudioso das tartarugas. Assunto muito pesquisado pelo próprio, quando, ainda morador do Provisório, tinha sua coleção de cágados habitando as águas límpidas e clamas do ribeirão que cortava o sítio. Filho de um famoso goleiro que incorporou ao nome sua eficiência, o Sr. Luiz Pega-Pega, de saudosa memória, não me lembro bem de suas atividades futebolísticas. Parece-me vê-lo como goleiro de futebol de salão, hoje futsal. Mas o Pega-pega ficou esquecido no passado. Mas em outras áreas sua participação foi marcante. Na música começou lá sua brilhante trajetória de instrumentista. Figura indispensável em quantas bandas se formassem como trombonista , trompetista, pistonista e tudo que termine em “ista” nessa difícil arte de encantar os ouvidos de quem os tem preservados da ruidosa tempestade sonora que assola a humanidade. Como a música é praticamente uma ciência exata, daí para a matemática não chegou nem a ser um pulo, foi uma passagem suave unindo duas de suas paixões. Existiam e existem muitas outras das quais não nos cabe divagações. Como o Oratório Festivo ainda em Pará de Minas, com os passeios meio clandestinos de bicicletas emprestadas pelos oratorianos e as degustações mais clandestinas ainda dos vinhos da Missa na sacristia, mas isso são águas passadas. Voltando a Marliéria quando acordou do sonho de ser padre, virou professor de matemática e de música e por vários anos convivemos no colégio, na cidade, fazendo nossas serenatas, ficando, às vezes, junto com o Liberato, madrugadas inteiras conversando e fazendo planos para o futuro no alpendre do Grupo Escolar, do teatro que nem era ainda Mutirão, ou naquele parquinho que havia no lugar onde hoje é a quadra de esportes. Você se lembra? Pois é, você foi para Itabira trabalhar na Vale do Rio Doce. Eu fui embora também procurar outros caminhos e só o Liberato ficou aqui como fiel escudeiro dessa terra que nos amou e que nós amamos muito e que hoje homenageia você por ser esse filho ilustre que nunca a abandonou e sempre fez tudo por ela. Parabéns Tacão.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

REMOENDO RECORDAÇOES

O último que nos deixou e foi personagem deste blog foi o tio Raimundinho. Depois dele, muitos outros partiram. Certamente não vou conseguir me lembrar de todos, mas vou tentar.
Hoje acabo de saber que o Sr. Jesus Quintão também deixou para trás o constrangimento que estaria sentindo se não estivesse há muito tempo alheio a tudo que acontecia. Ele que não gostava de depender de ninguém. Que vivia sozinho na fazenda. Que vinha à cidade sem mudar seus hábitos. Um dos mais  típicos era só andar descalço. Nunca o vi com nenhum tipo da calçado. E isso não lhe tirava nem lhe acrescentava nada. Sempre o vi como um homem prestativo, amigo de todos e muito tranquilo. Era vizinho do Sr. Luiz pega-pega.
Goleiro dos bons no seu tempo. Por isso o apelido do Sr. Luiz Gonzaga. Que também nos deixou e foi jogar no exterior dessa Terra. Imagine-se ele agarrando planetas e estrelas. Só pedimos que depois não quique a bola antes de arremessá-la para os atacantes. Senão, um caos geral se abateria sobre o universo. Gostava de passar e ve-lo sentado em sua poltrona, calmo, sossegado, às vezes conversando com o Sr. Raimundo Nonato, visita diária que vinha trazer-lhe boas recordações e bom humor. Herança que deixou para o Tacão, Zé Pombal, Tarcisio e Titita.
Logo depois, na segunda casa, vivia o Sr. Chiquito Quintão, casado com a Dona Maria do Sr. Chiquito. Eram tantas Marias, que os nomes dos maridos, para as casadas, ou do pai/mãe para as solteiras, funcionavam como sobrenomes garantidores de identificação. No seu enterro, seus filhos, netos e bisnetos praticamente completavam a lotação da Igreja. São tantos descendentes que acho que a Dona Maria deve ter um livro para registrar tanta gente  e não esquecer seus nomes. E foram tantos bebês que o Sr. Chiquito ficou uma pessoa pacata, calma e pai da paciencia. Adiantava ficar nervoso com tanta criança chorando, pulando e aprontando?
Agora, vamos pular várias casas para chegar à esquina da saúde. Onde nós todos íamos procurar socorro para as estrepulias que deixavam cicatrizes. Ou tomar as vacinas, tão poucas em nossa época, mas todas via injeção. Primeiro foi o Carlos Alberto. Partiu como viveu. Quieto no seu canto, se esforçando para vencer sua limitação de comunicação. Vitória conseguida a duras penas, mas vitoria vitoriosa. Trabalhou, formou uma família, teve filhos e até uma netinha. Depois veio cuidar do pai doente e assim se foi. Antes do pai e com a consciencia de quem foi um vitorioso e um bom filho.
Depois o Sr. Osni foi cuidar dos que o precederam. E estavam todos tão carentes de cuidados com a saúde que o Sr. Osni vai enfrentar uma faina sem precedentes. Ainda mais que a maioria já viajou bem caidinha, com a saúde bem debilitada. Mas o seu alto astral vai resolver tudo. Vai rever a Luzia do beco e esclarecer aquela história que ele me contou de quando era auxiliar na farmácia do Sr. Nelson Bruzi (será que estou fazendo confusão?) e foi levar um remédio fora de hora para a Luzia curar uma dor de cabeça. A Luzia, segundo ele, queria indispo-lo com o patrão dizendo que não havia dor de cabeça nenhuma.
Mesmo em frente da praça, tia Rosa (tia de todos os moradores da cidade) do Sr. Manoel Moreira presenciou toda a história da cidade. Do alto dos seus cem anos viu ser construída a atual Igreja, a própria praça teve sua assistencia quando foi feita e sofreu suas inúmeras reformas. Viu fazerem o prédio da Prefeitura. Viu Dadi fazer sua casa. Sr. Manuel de Assis construir a casa que agora é da Titina, aliás, D. Maria das Graças Morais Moreira, né Titina? Não sei se acrescentou o Assis do nosso Idílio que não morreu. Só que a vez é da tia Rosa. Miudinha e esperta como uma rolinha, não perdia uma festa e era das mais assíduas frequentadoras das ginásticas do grupo da terceira idade, que só era da terceira no calendário, porque era mesmo é da segunda idade.
Outro pulo e paramos na entrada do caminho definitivo. Sr. Paulino que ficara tão emocionado quando escrevi sobre Dona América e me agradecera com lágrimas nos olhos, também não resistiu à saudade e foi se encontrar com ela. Foi uma partida sofrida, dolorosa. Parecia que não queria ir. Preocupava-se com as pequenas coisas dessa vida. Com a casa. Uma goteira que não tivera tempo de consertar. Se as plantas não estavam precisando de água. E se as meninas tivessem se esquecido de ir lá verificar se tudo estava certo? E queria voltar pra casa. Se fosse necessário, que montassem aquela parafernália em casa, desde que pudesse voltar. E ficava nervoso, uma característica que nem a doença conseguira apagar. Até que Ademir, me contou no velório, conversou com ele, já em coma, dizendo-lhe que podia partir em paz, que todos iam ficar bem, que fosse se encontrar com sua América. O filho de longe já havia chegado, já haviam se encontrado, podia viajar sem susto. Aí ele se acalmou e partiu.
Lá em Itabira, seu cunhado, irmão caçula de Dona América, também lutava para continuar entre nós. O nosso Criolo, mosquito em Itabira, Amir de nascimento, brigava com bravura para continuar espalhando sua alegria. Torcendo pelo seu Cruzeiro, brincando com suas netas e participando das festas do seu clube. Me lembro do Criolo, ainda quando era namorado da Cor Marie, na casa da tia Rosa, a outra tia Rosa, a tia Rosinha, escutando um jogo do cruzeiro pelo rádio (não existia Televisão em Marlieria), de pé, com a mão segurando o dial do aparelho e tremendo como se estivesse com febre, Ele era fanático. Mas foi levar alegria para o pessoal do outro lado.
Ao lado da Igreja, o chefia, Sr. Jesus de Oliveira, saiu apressado para chegar na fazenda antes da chuva, mas a chuva o surpreendeu na estrada e, na passagem das águas do ribeirão do Derrubado, teve o carro tomado pela enchurrada. Segundo laudo morreu enfartado. Não tinha água nos pulmões. Apaixonado pelo forró. Viajava longe para arrastar os pés, fosse em salão de baile ou em terreiros de terra batida. Adorava umas cervejas que chamava de loiras e tinha uma coleção de carros já fora de uso. Dizem que nunca vendeu um só dos carros que comprou. Ia deixando lá na sua fazenda Bela Vista, sem uso. mas com os impostos anuais pagos religiosamente. Jeeps, caminhonetes e fuscas aos montes. Lá se foi tio Jesus se encontrar com o Natim, um de seus empregados mais fiéis.
Algumas casas a mais e Irene também quis rever o Julito e sua mãe tia Nhanhá, entre os que partiram mais recentemente. Era a mãe da paciencia, primeira numa carreira imensa de irmãos e irmãs, praticou essa virtude por necessidade. Bordadeira de mão cheia, de seus dedos surgiam maravilhas para serem admiradas de joelhos. Eximia biscoiteira, suas receitas faziam sucesso e arrancavam suspiros dos que tinham problemas com a balança. Irene partiu serena, deixando esse legado de paz e compreensão.
Saltando uma casa, chegamos na casa do Sr. Raimundo Nonato, de onde foi o Eduardo de Maria Inês, que antes era o Eduardo do Sr. Nenzinho, que pregou uma peça em todo mundo. Saiu para pescar e só voltou para as despedidas. Ficou repousando no seu Santo Antônio, de frente para o lugar onde nasceu e cresceu. Escutei de sua boca um dos xingamentos que achei mais interessantes entre os que já ouvi. Ele estava consertando um carro e um de seus ajudantes fez uma besteira qualquer e ele lascou na maior calma "ô, seu recheio de tripa"! Xingou o cara de uma coisa bem nojenta, mas com classe e distinção. Era assim o Eduardo. Carros para consertar lá, acho que ele não vai encontrar, todo mundo tem asas, mas gente para ser xingada não vai faltar. Afinal, maus políticos também morrem...
   E o Sr. Nelsinho, lá mesmo, perto do Santo Antônio, mais precisamente no Paraíso, também completou seus bem vividos cem anos antes da viagem. Não vai sentir nenhuma diferença. Continua no Paraíso, só mudou de endereço, como quem muda de casa na mesma rua. Era irmão do Sr. Osni, e fora dono de farmácia como ele. Depois se retirou para a fazenda e lá criou sua família e permaneceu até o fim.

Viram que segui um critério mais ou menos geográfico para me lembrar do maior número possível das pessoas que deixaram nossa comunidade nesse período em que esse blog ficou esquecido, guardando poeira e teias de aranha. É claro que são as pessoas com as quais tive algum tipo de relacionamento, não engloba todas as pessoas que faleceram. Mesmo assim posso ter me esquecido de alguem. Quem se lembrar de alguem de quem me esqueci, por favor, me dê um alô. 

AV. 

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

MARINA, MARINAR

Marina, tô me sentindo o pior avô do mundo. Sabe, não vou ter como esconder. Escrevi poema pro Pedro, antes dele nascer. Escrevi prAlice também. Se bem que me criticaram dizendo que falei mais do Pedro do que dela. Pra você não escrevi nada até agora. Agora já é tarde que você já nasceu. Já estou condenado ao inferno dos avôs que não fizeram poemas pras netas caçulas. Mas vou tentar me redimir. Será que consigo umas indulgências pra comprar minha absolvição? Mas não falemos de corrupção, nesses tempo encachoeirados. Falemos de amor, carinho, amizade e outras amenidades. Viu, amizade rima com amenidades, ta começando o poema...

Você tão pequenina, menina, Marina
virou verbo
Marinar.
todos estão marinando
E quando você abre seus olhinhos
o mundo se descortina
e a gente fica pensando será que você
de verdade ainda não vê?
sei lá...

AV.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

DE VOLTA

  • Estive ausente por longo tempo. Deu trabalho até para conseguir acessar o modo de postagem desse blog. Mas o bichinho roedor ta me fazendo cócegas nos dedos catadores de teclas.
  • Depois do tio Raimundinho não fiz mais necrológio algum. Também um blog não vive apenas de necrológios. Nem blogueiro nenhum pode ficar escrevendo depois da meia-noite, que as sombras ficam soltas na noite e as influencias malignas podem se apoderar dele. Continuo amanhã. 
  • Voltei. Há alguns dias, a professora Ilda, da quarta série do ensino básico do Grupo Escolar Padre João Borges Quintão, veio me convidar para a mostra literária da Escola, em que sua turma iria  focalizar Babilonia e seus fantasmas. Foi muito legal. Os meninos ilustraram quase todas as cronicas. Antes, o Ronan, o Davi, o Caique e a Ellen vieram me entrevistar. Queriam saber sobre esse escrevinhador. Se casado, se tinha filhos, quantos, nomes e outras curiosidades. Só que me esqueci dos netos. Imperdoavel. Não falei do Pedro que já está lendo feito gente grande. Da Alice que é o solzinho que ilumina, aquece e deixa-nos todos  de boca aberta com suas tiradas, sua alegria e sua maturidade. E da Marina que está chegando, já sobrevoando o aeroporto, com a pista de pouso preparada e se aproximando vertiginosamente.
  • E a criançada ia explicando os desenhos que fizeram. Liam resumos que escreveram das cronicas e, para encerramento com chave de ouro, encenaram a história da Sá Ana papuda. Fiquei até meio abobalhado com o interesse e a seriedade com que  as crianças encararam o desafio. Fiquei também muito feliz ao ver que estão desenvolvendo o hábito de ler e orgulhoso por terem escolhido uma pequena obra que abordou pessoas que viveram na terra deles. Pessoas que foram contemporaneas de seus antepassados. De quem não teriam a menor notícia se não estivessem registradas nesse livrinho.
  • No final da apresentação, como não poderia deixar passar em branco a iniciativa, sorteamos alguns volumes do livro e o que me deixou ainda mais feliz foi a torcida de cada um para ser sorteado. O Ronan ficou inconsolável por não ter sido contemplado no sorteio. Nao tive coragem de deixá-lo tão triste e já trouxe um para ele também.
  • Só tenho que agradecer a professora e seus alunos pela iniciativa que para mim teve o valor de uma homenagem e das mais supimpas.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

OS RAIMUNDOS III (continuação)

Esse, dos quatro, o mais novo. Agora, já entradinho nas eras, mas continua ainda o mais novo da turma. Essa, a vantagem da Matemática. Existe uma época da vida em que a gente tem o dobro ou a metade da idade de alguém. Essa relação vai se modificando a favor do mais velho. Eu tinha vinte anos e você, dez. Nos meus trinta, você vinte. Você tinha metade, agora tem dois terços. Quando eu chegar aos cem você terá noventa. Noventa por cento da minha idade. Eu, mil, você novecentos e noventa anos: igual a noventa e nove por cento. Acho que no final dos tempos, no infinito, teremos a mesma idade, ou você será mais velho do que eu.


Mas o Raimundinho está mais perto de mim. Nossa diferença não chega a três anos. Desde pequeno com o bumbum virado pra lua. Quer coisa melhor do que morando junto com a avó, ser afilhado dela? Porque fomos criados todos juntos, pai, mãe, avô, avó e tias. As tias foram se casando e indo embora. E o afilhado sempre protegido pela vovó-dindinha. Artes e mal feitos só os outros cometiam. Se fosse para apanhar era só correr e se esconder atrás da saia comprida que ninguém tinha coragem de desrespeitar a mãe ou a sogra. Ovo fresco todo dia. Os outros, o outro principalmente, só se assaltasse o ninho logo depois da galinha botar.


Tínhamos as obrigações diárias. Descascar milho, socar o arroz e o café, cozinhar banana verde e depois misturar com fubá e tratar dos porcos, debulhar o milho no debulhador grande de madeira e manivela. Nessas tarefas ao ajudar o afilhado, ela acabava ajudando a todo mundo e era muito bem vinda.


Mas quando a avó ia rezar o terço, sentadinha no banco comprido do corredor, iam os três pedir vó conta uma história. E ela contava a história de Joaozinho e Maria. Água meus netinhos. Azeite minha vó. E a vó da história morria assadinha pelos meninos da história. E a gente não sabia se tinha dó da outra avó ou dos meninos coitadinhos que se perderam na floresta e foram achados pela bruxa má que gostava de comer meninos gordinhos e assadinhos. Que nem na história dos porquinhos, só que esses tinham até casas e chaminé pra queimar a bunda do lobo mau.


Mas nem sempre a história chegava ao seu final. A vovó tinha a mania de começar a contar história e fechar os olhos enquanto falava. Deve ser porque sabia a história de cor ou para dar um cochilozinho enquanto automaticamente continuava a desfiar as peripécias dos dois heróis. E a gente sorrateiramente saía de fininho e a deixava falando sozinha. Quando ela abria os olhos e não via ninguém, ficava embrabecida e era uma semana sem histórias. Aí entrou em cena o afilhado. Era só a gente começar a sair e ele delatava. Vó tão saindo. E nós tínhamos de voltar se quiséssemos continuar tendo contadora de histórias todos os dias.


E tão malandro foi ficando que quando nossa irmã reclamou que ele não apanhava, inventou de dizer que ela também não sentia a dor das varadas porque a saia dela protegia as pernas. Aí ela sugeriu que ele vestisse suas saias e dispensasse a proteção avoenga. Quem disse que ele topou...


Depois, os depois estragam tudo, nos separamos. Fui para um lado e ele foi para outro ainda meninos por volta dos dez anos. Quando voltamos a conviver já éramos pós adolescentes, quase adultos. E voltamos a nos separar de novo, apesar de estarmos na mesma empresa e na mesma labuta. Agora que já temos todo o tempo, continuamos cada um do seu lado, pelo menos tendo ainda um elo de ligação que nos aproxima um pouco periodicamente. Viva a Naná.




AV.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

OS RAIMUNDOS (continuação)

Estão faltando dois Raimundos para completar os quatro que fizeram parte de minha vida. Mas hoje ainda estou me referindo ao último que partiu. É que, muito gentilmente, o Nonato da RKG me informou que tem um vídeo com o tio Raimundinho. Mandei-lhe uma mensagem e ele me autorizou colocá-lo neste espaço à disposição de vocês.



Aproveito para informar que existem muitos outros vídeos espetaculares no endereço:
http://www.youtube.com/watch?v=WcQCbOHukCE



Este vídeo do tio Raimundinho é maravilhoso. Focaliza a vida dele, como ele a viveu. Trabalhando, conversando, se orgulhando de Marliéria, sem abdicar de suas convicções, de suas idéias políticas. Vejam e se lembrem dele.
Então, é só clicar no endereço fornecido acima e se deliciar com as imagens e diálogos registrados.




AV.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

OS RAIMUNDOS (continuação)

Então, o sr. Raimundo nos surpreendeu. Teve uma melhora significativa nesta semana. Os rins voltaram a funcionar e a pneumonia está sob controle. Mas o estado dele não deixa de ser grave. Seu maior inimigo é a idade. Toda aquela energia que ele tinha foi gasta na luta contra as infecções do pulmão e dos rins. Agora ele está muito fraco e não suportaria outra infecção.




Era esse o discurso do doutor Eduardo, ou outro plantonista, toda tarde na UTI do Hospital Márcio Cunha. De vez em quando estava outro médico de plantão, mas o discurso não variava muito. Até que no último domingo, o plantonista era nada mais, nada menos que o doutor Emerson. Aquele mesmo que atendera, anos antes, nos postos de saúde da cidade de Marliéria, outrora Babilonia eterna. Foi um encontro cheio de recordações, pois ele fora o médico que acompanhou duas irmãs e o cunhado desse sr. Raimundinho. Mas seu parecer também não destoou da opinião de seus colegas.
Hoje amanheceu, surpreendetemente, um dia chuvoso. Graças a Deus que a secura do ar já estava incomodando. Essas lembranças estavam cochilando na lista do blog desde 20 de junho. Seis, sete ou alguns dias mais após esses encontros com os médicos que o acompanharam no seu estágio na UTI do HMC. Que para tudo nessa vida, até para nos despedirmos dela, precisamos de uma preparação.
Agora, de uns dias para cá, assim que vim retomar meus plantões com Naná, começaram a aparecer pessoas interessadas em adquirir o que era dele. É a lei da vida. E a gente fica sem entender como aquele sitiozinho dele pode continuar existindo sem ele. Parece que o certo era ele estar lá. Distribuindo entre as pessoas o que colhia. Os quiabos, as laranjas e as mexericas. Dizendo para a Edna, quando eu for embora quero que todo mundo se lembre de mim como uma pessoa que não tinha dó de dar o que tenho. Só não gosto quando entram lá fora de horas para roubar. Apanham as laranjas verdes, estragam as plantas, quebram os galhos. Pra que? Não precisa. É só pedir que eu dou, mas quando estiverem maduras.
Foi aí que me lembrei desse meu compromisso com ele. Preciso continuar com os Raimundos. Depois dele, ainda ficam faltando dois.

Ele tinha sido taxativo quando conversávamos. Conversas sadias sem premonições tristes. Depois dessa operação que preciso fazer, vou parar com essa fazeção de rapaduras. Tou sentindo que esse serviço ta muito pra mim. E a Dinha vive me falando que eu preciso parar com esse serviço. Gozado que ela mesma, agora, arrumou essa serviçama de fazer essa biscoitama toda. E fica querendo me governar. Já apareceram muitos perguntando se eu não vendo essa área. Vou vender a parte do canavial e ficar com a minha casinha só. Mas quero vender para alguém da família. Primeiro porque assim vou poder morar nela, tendo companhia perto. Não tenho coragem de morar ali sozinho, longe de todo mundo. Depois porque acho que nossa cidade precisa de mais moradias. Só vendo com a condição de ser para construir. E se eu vender para alguém de fora e aparecer alguém de casa falando que queria ter comprado vou ficar muito chateado.

E assim tio Raimundinho ia me contando seus planos. Um dia, estávamos indo para fazer mais alguns dos infindáveis exames a que se submeteu antes da cirurgia, e assim de repente tirou do pulso um relógio SEIKO daqueles que foram muito populares da década de sessenta/setenta do século passado e me perguntou, você quer esse relógio? Levei um susto. Mas por que tio Raimundo? Havia momentos que ele me parecia tão grande que não conseguia chamá-lo no diminutivo. Não gosto mais desse relógio. Se deixar ele fora do pulso ele para e depois é uma dificuldade para acertar. Bons são esses a bateria e eu tenho um monte deles. Comprados no camelô mas andam direitinho que nem os outros. Esse aqui já ofereci ao Sonson mas ele disse que não usa relógio. Ofereci ao Cor Jesus e ele também disse que não gosta de relógio. Se você quiser, ele é seu. É claro que quero, muito obrigado.

Só o tirei do braço para mandar fazer uma revisão e trocar a lente que estava trincada. Também, se tirar ele para. Aposentei meu Casio digital, velho de guerra, que me acompanhava hà uns vinte anos.

Tinha essa necessidade de agradar, de ser generoso. E foi.
Quando inventaram de promover, anualmente, um encontro dos descendentes de seus pais, ele já era o último dos tios vivos e em condições de comparecer, além de quatro cunhadas que agora são três e de uma irmã que já vivia em silêncio, quietinha em sua cama, alheia a tudo e a todos. E ele aderiu com prazer. Não faltou a nenhum, nem a esse último, depois de sua partida, que ele foi o parente mais presente. Estampado no peito e nos corações de cada um. É que havia dito, em segredo, a alguns sobrinhos que esse ano queria doar as camisetas que são confeccionadas a cada encontro. Como o segredo foi de polichinelo, muitos sabiam dessa intenção e a levaram em frente. Mesmo porque ele já havia providenciado os recursos para a empreitada.

Tio Raimundinho, você não foi embora. Sua presença está muito forte aqui entre nós. Como dizia Guimarães Rosa, você agora está encantado.






AV.