É que, de repente, Mortenson se lembrou que seu plano de conquistar o K2 nada mais era do que a vontade de fazer uma homenagem à sua irmã Christa, doze anos mais nova do que ele.
Quando ela tinha 3 anos, viviam na Tanzânia, onde seus pais, nascidos no Minnesota, trabalhavam como professores e missionários luteranos. Christa contraiu meningite aguda e nunca se recuperou totalmente. Greg, então com 15 anos, se autodeterminou seu guadião. Embora ela se esforçasse para fazer coisas simples - vestir-se de manhã tomava quase uma hora - e sofresse fortes ataques epilépticos, Greg pressionou sua mãe, Jerene, para permitir que ela tivesse um pouco de independência. Ele ajudou Christa a conseguir um emprego em trabalhos manuais, ensinou-lhe o trajeto dos ônibus públicos, para que ele pudesse ir aonde quisesse e, para vergonha de sua mãe, discutiu detalhes sobre controle de natalidade, quando descobriu que ela estava namorando.
Todos os anos, servindo como médico e comandante de pelotão do exército norte-americano na Alemanha, trabalhando como enfermeiro em Dakota do Sul, estudando neurofisiologia da epilepsia numa faculdade em Indiana, na esperança de descobrir uma cura para Christa, ou vivendo como alpinista sem-teto num carro em Berkeley, Califórnia, Mortenson insistia que a irmã viesse visitá-lo durante um mês ao ano. Juntos iam assistir a espetáculos que muito a alegravam. Iam às 500 Milhas de Indianápolis, ao Kentucky Derby, iam de carro à Disneylândia, e ele conduziu-a através da estrutura arquitetônica de sua catedral pessoal naquela época, as paredes de granito do Parque Nacional de Yosemite.
Para o vigésimo terceiro aniversário, Christa e a mãe planejaram uma peregrinação do Minnesota aos campos de trigo em Deyersville, Iowa, onde o filme a que Christa assistira inúmeras vezes, O campo dos sonhos, fora filmado. Mas, no dia do seu aniversário, nas horas que antecederam à partida pela manhã, Christa morreu, depois de sofrer uma forte convulsão.
Após a morte de Christa, Mortenson pegou um colar de contas de âmbar entre os poucos pertences guardados da irmã. Ainda tinha o cheiro da fogueira que acenderam na última vez em que viera visitá-lo na Califórnia. Ele trouxera o colar para o Paquistão envolto em uma bandeira tibetana de oração, com um plano para honrar a memória da irmã caçula. Mortenson era alpinista e decidira prestar a homenagem mais significativa para ele. Iria escalar o K2, o cume que a maioria dos alpinistas considera o mais difícil de alcançar, e deixar o colar de Christa a 8.611 metros de altitude.
Como fracassara em seu intuito, de repente, resolveu voltar para aquela aldeia desconhecida que o socorrera e descobrir o que poderia fazer por eles como prova de sua gratidão e para homenagear sua irmã.
A partir da casa de Haji Ali, o chefe da aldeia, Mortenson criou uma rotina. Todas as manhãs e tardes circulava por Korphe, sempre acompanhado pelas crianças que o puxavam pelas mãos. Ele viu como esse pequeno oásis verde em meio ao deserto rochoso e empoeirado sobrevivia, graças ao trabalho dedicado, e admirou as centenas de canais de irrigação, feitos manualmente, mantidos pela aldeia, que distribuiam a água das geleiras, regando os campos e pomares.
Fora do Baltoro, fora do perigo, percebeu quão precária havia sido a sua sobrevivência, e como estava enfraquecido. Mal conseguia descer o caminho que leva até o rio e ali, na água gelada, quando tirou a camisa para lavá-la, ficou chocado com a sua aparência:
- Meus braços pareciam palitos de dentes, pareciam ser de outra pessoa.
Arrastando-se de volta até a aldeia, sentia-se trêmulo como os anciôes que ficavam sentados por longas horas sob os damasqueiros de Korphe, fumando e mascando sementes de damasco. Depois de uma hora ou duas por dia perambulando, sucambiu à exaustão, e voltou a olhar para o céu, deitado em seu ninho de almofadas junto à lareira de Haji Ali.
(continua).
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