quarta-feira, 22 de junho de 2011

TIO RAIMUNDINHO POR DEBORA

Meu pai!

Ontem, enquanto voltava para casa, depois de acompanhar a despedida de tio Raimundinho não consegui parar de pensar e precisava escrever esses pensamentos para vocês.


Me lembrei de chegar a Marliéria com vocês e sempre passar pela casa de tia Rita olhando pela janela. Você sempre buzinava quando avistávamos alguém na janela e nós três, no banco de trás, nos acotovelávamos dando tchau e acenando para quem estivesse observando a rua. Eu tinha certeza que eles sabiam quem estava buzinando e ficava feliz quando recebia o aceno de volta.


O tempo passou e fiquei sabendo que tia Rita não mais enxergava, mas você continuava a buzinar e eu continuava a acenar. Também porque, naquela janela, avistávamos Pandeiro e tio Raimundinho sempre a observar a rua.


O tempo passou, cresci, comecei a chegar em Marliéria dirigindo o carro, mas continuava a buzinar ou acenar pela janela. Eu me casei, Tia Rita se foi, o carro ganhou novos ocupantes, mas o aceno para o rosto na janela continuou.


Se encontrava com tio Raimundinho pela rua sempre cumprimentava: “ oi tio!”. E ele respondia com um sorriso ou aceno e eu saia feliz.


Um dia me dei conta que talvez ele nem soubesse mais quem eu era, talvez não me reconhecesse mais, afinal não era mais criança e sobrinhos ele tinha aos montes. Mas o hábito continuou afinal eu sabia quem ele era: irmão da minha avó, seu tio. E depois de tantos acenos era impossível passar por ele sem cumprimentar.


O tempo continuou passando, os atropelos da vida nos levam a lugares diferentes, a encontros e desencontros. E de repente me vejo de novo tendo mais contato com tio Raimundinho, primeiro as festas de família que nos forçam a conviver com pessoas que sabemos que existem, mas que não temos contato regular. E ele ocupou o lugar de único representante da primeira geração que fazia parte dessa festa. A vó ainda estava por aqui, mas recolhida em seu silêncio de tantos anos. E ele lembrava ela, pequenino, discreto. Depois, nos últimos tempos, voltei a ouvir mais dele. Ele te procurava para ir ao médico, fazer exames. E fui escutando e relembrando histórias sobre a vida dele. E me perguntava porque ele não tinha constituído família, nunca se casou, viveu sozinho. E achava, a cada dia, que ele se parecia ainda mais com a vó.


Acompanhei os preparativos para a cirurgia dele e me lembro do seu rosto durante o almoço aqui em casa em um dos dias que precisou ir ao hospital. Torci muito para que a cirurgia desse certo e para que ele se recuperasse. Mas Deus não quis assim e ele se foi.


Mas durante a missa, vendo a emoção de cada um, percebi que eu havia tido pensamentos errados sobre a vida dele, ele não tinha uma família, ele pertencia a todas as famílias dessa grande família, grande em todos os sentidos, em número de pessoas, em histórias de superação, em histórias de recuperação.


E assim como a minha avó ele foi teimoso até na hora de ir. Contrariou quase todos os diagnósticos: combateu a pneumonia, fez os rins voltarem a funcionar, controlou a pressão. Parecia querer ficar, mas não conseguiu acordar. Ou talvez tantas orações o estivessem segurando aqui. A sua hora tinha chegado, era preciso se despedir pois a força da vida sempre nos obriga a caminhar. Então só me resta pedir a Deus para que ele seja bem recebido lá em cima, para que continue seu caminho de evolução e para que consiga nos inspirar aqui em baixo. Com certeza a sua história tem muita coisa a nos ensinar. Cabe a cada um ver e aprender.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

OS RAIMUNDOS

Foram quatro em minha vida, também eu meio Raimundo. Ao primeiro devo a vida. Do outro, tio por afinidade, o famoso tio torto, guardo as melhores recordações de minha infância. Era só começarem as férias de julho e tava na garupa do cavalo da tia Terezinha rumo ao Capim Gordura. Adorava aquele colchão recheado de palhas de milho afofadas na hora de deitar. Era como um mergulho sem fim naquela fofura. E sonhava com os passarinhos que íamos apanhar no dia seguinte. Não havia essa preocupação com a preservação da fauna, como hoje. Também não estavam tão ameaçados de extinção, como hoje. À noite, ficávamos na cozinha de chão batido fabricando gaiolas e alçapões com talos de embaúba e varetinhas de bambu, depois da ceia. O almoço era por volta das nove horas da manhã. Café de garapa de cana com broa de fubá por volta do meio dia, jantar às três horas da tarde e ceia à noitinha, quando começava a escurecer. A tia e os meninos pequenos iam dormir e nós permanecíamos mais um pouco. O Geraldo que já tinha uns quatro ou cinco anos nos acompanhava. De vez em quando remedando uma vizinha deles o trem tá feio, comadre, tamo perdidos, cumpadre. Quando iam começar as aulas tinha de voltar pra casa. Uma vez levei uma gaiola, que havíamos feito nesses serões noturnos, com um alçapão incluído nela. Na parte de cima da gaiola, de forma que era a coisa mais fácil fazer um passarinho passar do alçapão para a gaiola. Era só levantar uma taquarinha e abria-se a passagem. Cheguei em casa, com aquele elefante branco e um frango que havia ganhado do tio Raimundo numa aposta com o ossinho da espora de outro frango que tínhamos comido no almoço. Meu pai me falou o que que adianta, você não tem chama para pegar algum passarinho. Realmente não tinha nenhum passarinho preso e sem a tal chama não havia possibilidade de apanhar outros. Assim mesmo armei o alçapão, coloquei arroz em casca dentro e dependurei na cerca da divisa com a nossa vizinha Dona Lúcia, filha do Sr. Bulé, que a cidade toda chamava de tio Bulé. E não é que horas depois, ao voltar, havia um lindo curió preso no alçapão da gaiola? Sem chama, nem nada. Nem curiós a gente via por ali. Tanto que o Afonso da tia Tereza, irmã da Sá Maria Augusta, mãe do Sr, Raimundo Nonato, ficou entusiasmado e me convidou para irmos ao mamoeiro, onde havia notícias de muitos curiós. Íamos apanhar mais um pra mim e outro pra ele. Só que no caminho encontramos com o Bitinho. Ele trazia uma gaiola com um curió maior do que o meu e com um penacho na cabeça. Ofereceu troca, na orelha. Que o dele era muito melhor do que o meu, que nem piar não piava direito. E o Afonso caladinho. Troquei. O curió que fora do Bitinho não deu nem um pio e não pegamos mais nenhum curió. Voltei pra casa sem graça e achando que fiz besteira. Meu pai confirmou. Esse curió tá é muito velho. Vai morrer um dia desses. Não durou nem uma semana e o encontrei morto na gaiola de talos de embaúba e taquarinhas de bambu. Foi minha primeira e última relação com curiós. E sempre cismei que o Afonso teve culpa nesse meu negócio. Ele disse que não podia dar palpite. Mas o encontro foi muito suspeito. E depois esse meu ex-curiozinho apareceu na casa do Afonso e cantando que fazia gosto. Mas canários, depois tive muitos.


Outro Raimundo acabou de nos deixar. Era Raimundinho. Tio de sangue, irmão de minha mãe. Pequeno, irrequieto e quietinho como um tico-tico. Passarinho que nunca matei. Sempre achei que eles eram tão mansinhos que seria covardia. Dele vou falar numa próxima postagem. Noutra falarei do quarto Raimundo. Do primeiro me ocuparei em outras postagens, pois dele tenho inúmeras histórias que estava guardando com intenção de inseri-las numa história maior que até comecei a editar nesse espaço, lá no início do blog. Mas está tão difícil esse livro sair que vou contá-las aqui mesmo. Se esse livro algum dia vier a lume, elas tornarão a sair com alguns adereços a mais.










AV.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

RAIMUNDINHO POR DILMA

ULTIMA HOMENAGEM A TIO RAIMUNDINHO

Tio Raimundinho, não sei se tenho
propriedade pra falar do senhor,
mas vou tentar.

Tive o privilégio de conhecê-lo e poder conviver
ainda que por muito pouco tempo pelo meu querer
e agora vou dizer
o que de você me deixou transparecer.

A mim me parecia um menino
ainda que crescido, mas nem tanto
seu olhar travesso, apesar de tímido,
quietinho no seu canto.
Aqueles olhos miúdos, mas espertos
viviam sorrindo, contentes,
querendo sempre agradar a gente.

Dizia que seus presentes eram simples, modestos,
mas não percebia quanto nos rendiam esses pequenos gestos.
O grande valor da vida está exatamente nos pequenos atos,
e que na maioria das vezes não percebemos de imediato.
Culpa dos atropelos do dia a dia,
mas ele fazia o que podia.

Muitos aqui o conheciam, na sua Fazenda todo dia,
Pera lá. Fazenda? Fazenda sim senhor,
Fazenda de garapa, de rapadura, de melado
e de amor.
Que alguns mal esperavam sair do tacho para se lambuzarem.

Botava o papo em dia, enquanto trabalhava
sempre com os amigos que por lá passavam.

Depois da tarefa terminada, sua rapadura oferecia,
e quem já conhecia, de imediato comprava,
o que muito o agradava, pois assim entendia
que o trabalho compensava.

Alguém já disse uma vez: "É nos pequenos frascos que se encontram os melhores perfumes". Perdemos hoje dessa geração de nove irmãos: Rita, Dina, Zito, Luis Tenente, Nicolau, Arsênio, Bebé, Nazinha e tio Raimundinho, o último dos "mói-canas".
Não Teremos mais do tio Raimundino, na sua deliciosa fazenda, a garapa a rapadura e o melado. Mas, com certeza, continuaremos nos lambuzando nas doces lembranças de seus pequenos gestos repletos de grande carinho e amor.
Um grande abraço e um grande beijo, já que a sua torcida do céu foi mais aguerrida que a da terra. Resta-nos nos contentarmos com as boas lembranças e a imensa saudade que vai deixar.
Quero finalizar, se conseguir... se não conseguir, tenho certeza que todos aqui poderão me ajudar, prestando-lhe uma homenagem, cantando uma música que tem tudo a ver com a sua vida, segundo o meu entendimento. Peço perdão se não fui de todo justa, mas tenho a certeza que neste momento cada um aqui presente estará lhe prestando uma homenagem, lembrando-se daquilo que não pude viver ou contar.

Debulhar o trigo,
recolher cada bago do trigo.
Forjar no trigo o milagre do pão.
Decepar a cana,
recolher a garapa da cana.
Roubar da cana a doçura do mel.
Se lambuzar de mel.
Afagar a terra,
conhecer os desejos da terra,
cio da terra, a propícia estação
e fecundar o chão.

(Dilma, toda emocionada na despedida do tio Raimundinho, em 15 de junho de 2011).