Ouvi o canto do sabiá. Choroso, como sempre é o canto do sabiá. Porque na verdade ele não canta. Chora. Ou pedindo chuva, ou pedindo para a chuva parar. Sabiá nunca está alegre. É um pássaro triste. Por isso nunca falta aos velórios.
Mas ouvi também o canto dos canários. Trinado alegre. Saltitante. Celebrando a vida. Que o canário, ao contrário, nunca está triste.
Nessa despedida eles também compareceram. Seria inconcebível a ausência deles. Tenho certeza que dois deles eu reconheci. Aparecida e Lassalete. Vieram receber D. Zizica da única forma que ela merecia. Com alegria. A mesma alegria que ela sempre irradiou. Não foi à toa que ela morava lá no morro onde o sol nascia. Os raios do sol só chegavam cá em baixo depois de lhe pedirem licença. E vinham trazendo o seu sorriso.
Antes dos canários e do sabiá, à noite, a lua já comparecera trazendo sua homenagem. Dissolvendo a escuridão numa claridade suave e tranquila como a paz. O friozinho da noite aconchegando os corações.
Parece que ela e Julito combinaram. Resolveram ir juntos para reunir mais pessoas nessa despedida. D. Zizica sempre adorou festas. Gostava de ver muita gente reunida. Julito sempre apresentava aquele ar sério, parecendo de poucas palavras. Mas quem conviveu com ele sabe que só a cara era séria. No resto era um verdadeiro moleque. A genética não falha. De onde o Maurílio Piloloia tirou tanta molecagem?
Contaram-me que mantinha uma caprichada horta e não sonegava verduras a ninguém. Mas não deixava de fazer um comentário bem humorado: pode levar as verduras, também você mora sobre uma pedra, não tem como plantar uma horta.
E na famosa época de ouro do chuchu, Julito foi um dos maiores compradores no varejo. E a turminha dos vendedores mirins resolveu dar o tombo nele. Chegavam com as sacolas cheias, passavam pela balança e iam colocar o produto na sua caminhonete Studbaker preta parada na porta. Davam uma voltinha com se tivessem ido apanhar mais chuchus. Voltavam à sorrelfa ou à socapa, ao gosto do leitor, que nem nas receitas "sal a gosto". Retiravam, pelo lado oposto do veículo, a quantidade que conseguissem e chegavam vitoriosos alegando que tinham encontrado mais chuchus. Como chuchu era coisa que não faltava, pensavam eles que o Julito nem perceberia o golpe. Chuchu em Babilonia era tanto que se criou a expressão "pra chuchu" para significar alguma coisa em abundância total. E era tão legal que chuchu virou moça bonita. Chuchuzinho. E essas expressões foram parar nos dicionários. Olhem a nossa força no cenário nacional e internacional no universo dos países de língua portuguesa! Se o chuchu não tivesse fracassado acho que até o inglês iria adotar nosso "pra chuchu" lá no linguajar atravessado deles. Inclusive, isso me leva a crer que houve uma trama da CIA ou do FBI, ou dos dois em conjunto com ajuda da Polinter e da KGB, para acabar com a nossa produção de chuchu. Inveja pura.
Julito fingia que não percebia nada e tornava a pesar o chuchu já comprado e o comprava de novo. Mas quem colocava o preço no chuchu comprado era ele mesmo. Nisso os meninos espertinhos não punham tento...
Agora os dois se juntaram à grande colônia babilônica do além para torcer por nós e mandar uma chuvinha caprichada, sem barulhada, sem inundações, sem vulcões nem tornados. Quem sabe agora com a força nova do Julito até o chuchu volte àquela fartura dos tempos dele.
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