segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

TRÊS XÍCARAS DE CHÁ IV

Vamos acelerar essa história. Acho uma besteira esse negócio de estabelecer diferença entre história e estória. A própria História não está eivada de estórias? Pois é...

Mas comecei a falar desse assunto achando que num texto só chegava onde queria. Esse já é o quarto e nem sei se acaba hoje. Também se fosse direto ao ponto, ia ficar todo mundo no ar. Tive mesmo que fazer toda essa introdução.

Veio o inverno e Mortenson voltou para seu país. Arrumou um emprego de enfermeiro e começou a procurar patrocinadores para cumprir sua promessa. Começou a escrever numa velha máquina muito pequena para suas mãos, alugada por 1 dolar por hora. Depois de 5 horas só havia datilografado 4 cartas. Colocou-as no correio.

Planejou escrever para todos os senadores do país, artistas, estrelas de cinema, cantores de música pop. Copiava os endereços em revistas que traziam a lista dos cidadãos mais ricos.

Aprendeu a usar o computador e achou muito mais fácil.

Por meio de sua mãe que era diretora de uma escola elementar em Westside, conseguiu autorização para fazer uma palestra, com apresentação de slides, para seiscentas crianças de sua escola. Um mês depois recebeu uma carta com um cheque de 623,45 dólares que as ciranças conseguiram numa campanha intitulada "centavos para o Paquistão". Elas encheram duas latas de lixo de 40 litros com 62.345 moedas de 1 centavo. Foi o primeiro passo.

Por fim, depois de idas e vindas, conseguiu o patrocínio de um milionário proprietário de uma indústria de semicondutores. Dr. Jean Hoerni fora alpinista na juventude e conhecia toda aquela região e tentara escalar o Everest uma dúzia de vezes.

Perguntou-lhe de quanto precisava e Mortenson lhe disse que fizera uma pesquisa e acreditava que com doze mil dolares conseguiria construir a escola. Então o Hoerni lhe mandou um cheque de 12.000 dolares com um bilhete: Me mande uma foto da escola pronta e não me sacaneie. Cordialmente, J. H.

Bem, resumidamente, Mortenson voltou para lá depois de vender tudo que podia, incluindo o carrão velho para conseguir dinheiro para suas despesas e as passagens. Depois de várias peripécias, muita confusão para conseguir comprar o material e levá-lo até aquela altitude, etc. iniciaram a obra da escola.

Mortenson tentava ser um mestre de obras severo. Passava o dia inteiro no canteiro de obra, do nascer ao pôr do sol, usando o prumo para certificar-se de que as paredes estivessem retas e o nivelador de chumbo para checar se estavam alinhadas. Tinha sempre um bloco de anotações na mão, e controlava todos, ansioso para fazer valer cada rúpia investida. Ele não queria decepcionar Jean Hoerni, então cobrava pesado deles.

Uma tarde, no começo de agosto, Haji Ali tocou o ombro de Mortenson e chamou-o para dar uma volta. O ancião conduziu o ex-alpinista morro acima por uma hora. Mortenson achou que estavam perdendo um tempo precioso, quando Haji Ali parou sobre uma laje estreita bem acima da aldeia. Mortenson estava de língua de fora, só de pensar em tudo o que estava deixando de acompanhar desde que saíra da obra.
Haji Ali esperou até Mortenson recuperar o fôlego, então lhe pediu que olhasse para a paisagem. O ar estava cristalino de uma forma que só a altitude consegue deixar. Além de Korphe K2, os picos de gelo do interior do Karakoran erguiam-se, sucessivos, contra um profundo céu azul. Trezentos metros abaixo, Korphe, verdejante entre plantações de cevada madura, parecia pequena e vulnerável, uma jangada viva à deriva sobre um mar de pedra.
Haji Ali estendeu o braço, colocando a mão sobre o ombro de Mortenson.
-- Estas montanhas estão aqui há muito tempo, disse ele. E nós também.
Ele tocou o topi de pele de carneiro marrom-escuro, o único símbolo de autoridade que o murmadhar de Korphe usava, e ajustou-o no alto da cabeça grisalha.
-- Você não pode dizer às montanhas o que fazer, disse ele, com um ar grave que traspassava Mortenson tanto quanto a vista que tinha do alto. - Você deve aprender a ouvi-las. Então agora estou lhe pedindo que me ouça. Pela glória de Alá, o Todo-Poderoso, você já fez muito pelo meu povo, e nós lhe agradecemos. Mas agora você precisa fazer uma coisa a mais por mim.
-- Qualquer coisa, respondeu Mortenson.
-- Sente-se. E fique de boca fechada, disse Haji Ali. Você está deixando todo mundo doido.
Ele estendeu o braço e pegou seu nivelador de chumbo, seu prumo, seu caderno de anotações e desceram em direção a Korphe. Ele pegou a chave que mantinha pendurada numa tira de couro em volta do pescoço, abriu uma portinhola de madeira decorada com imagens budistas apagadas. Trancou as coisas de Mortenson lá dentro, com um pouco de carne seca de íbex, seu colar de contas de oração, e seu velho mosquete inglês. Então pediu a sakina, sua mulher, para lhes trazer chá.
Quando as tigelas de porcelana com chá amanteigado escaldante chegaram às suas mãos, Haji Ali tornou a falar:
-- Se você quer sobreviver no Baltistão, deverá respeitar o nosso modo de vida. Na primeira vez em que toma chá com um balti, você é um estranho. Na segunda vez, um convidado de honra. Na terceira, você já faz parte da família, e, pela família, fazemos qualquer coisa, até morrer.
Ele colocou a mão amistosamente sobre a de Mortenson.
-- Doutor Greg, você precisa de tempo para compartilhar três xícaras de chá. Podemos não ter educação. Mas não somos estúpidos. Vivemos e sobrevivemos neste lugar há muito tempo.
-- Naquele dia, Haji Ali me ensinou a lição mais importante que eu aprendi na vida, diz Mortenson. Nós, norte-americanos, pensamos que temos que realizar tudo rapidamente. Somos o país dos almoços de trinta minutos, e dos dois minutos de exercícios de futebol. Nossos líderes pensaram que a campanha de "choque e horror" poria fim à guerra no Iraque, antes mesmo de ela começar. Haji Ali me ensinou a compartilhar três xícaras de chá para diminuir o passo, e fazer com que a construção de relacionamentos fosse tão importante quanto a realização de projetos. Ele me ensinou que eu tinha mais a aprender com as pessoas com quem trabalho do que eu poderia esperar ensinar a elas.
(Era isso que eu queria compartilhar com vocês). O livro continua, nem vou ter a pretensão de escrevê-lo todo aqui. Mas só para dar uma palhinha, o tal milionário acabou morrendo de uma doença rara, mas antes criou o " Instituto da Ásia Central". Fez um depósito de um milhão de dólares na conta dessa instituição e nomeou Mortenson seu Diretor, com um salário de vinte mil e tantos dólares anuais e a incumbência de construir mais cinquenta e cinco escolas naquela região.
Quando acabar de ler o livro, se achar mais alguma coisa interessante, solt0-a aqui. Combinado?

Um comentário:

  1. Pai, finalmente consegui postar um comentário. Muito bonita a mensagem. Temos mesmo que aprender a ter calma, a compartilhar, a ouvir. Hoje estou sem sono, mas sem cabeça para escrever. Muitos beijos calmos e que possamos tomar muitas xícaras de chá juntos...

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