terça-feira, 21 de abril de 2009

LST - CONTINUAÇAO

Cap. I - O CAÇADOR DO SOL - continuaçao

Os três chegaram, à tardinha, ao local conhecido como piteiras. Era uma baixadinha toda verde de capim bom para o gado. O riacho escorria fazendo curvas caprichosas. Às vezes, sonolento, às vezes, saltitante entre as pedras arredondadas.
Olhando do alto da colina, por onde a estradinha chegava, parecia que alguém havia estendido um tapete, prendendo as bordas nas raízes das árvores da capoeira que circundava todo o vale. Depois, sem querer, distraidamente, deixou cair uma tigela cheia de leite que se espatifou em pedacinhos e escorreu tapete abaixo, carregando os caquinhos que foram se arredondando com o rola-rola e virou esse ribeirão que tomou gosto pela brincadeira e não parou mais de correr.
_ Onde foi que o bichinho falou com você?
_ Foi bem aqui, neste lugar, Carlim.
_ Mas nessa hora o sol estava bem forte, não estava?
_ E daí? O que tem o sol a ver com isso?
_ Tem tudo! O calor afetou você. Sua cabeça começou a doer. Você passou por uma modorrinha, deu uma cochilada daquelas que duram frações de segundo e essa história toda foi um daqueles sonhos instantâneos que a gente tem.
_ Não pode. A coisa foi muito real. Eu não perdi a consciência. O tempo todo eu estava vendo todo mundo ao meu lado.
_ Isso acontece. Mas aposto que agora, sem o sol, você não vai ouvir nenhuma voz estranha.
_ Aquele bichinho deve estar por aqui ainda. Vou olhar com atenção o fundo da água. Ele fica debaixo dessas pedrinhas redondas. De repente ele dá um salto, faz uma pirueta bem na superfície e mergulha de novo se escondendo debaixo de outra pedra.
_ Será que ele vem à superfície para respirar, que nem o peixe-boi que mora nos rios da Amazônia? Era a Márcia, querendo encontrar explicação pata tudo.
_ Sei lá, Márcia. Vocês é que estão estudando biologia. Pergunte pra sua professora, ou então pesquise e encontre a resposta.
_ Deixa de ser chato, Carlim! Perguntei só por perguntar.
Enquanto os dois irmãos quase se estranhavam, Grace, debruçada sobre o ribeirão, observava atentamente o escorregar lânguido das águas entre as pedras limosas. Espraiando-se logo abaixo, na areia que cobria o fundo, lugar dos animais pararem para beber. E as águas davam uma volteada como se estivessem olhando para trás, talvez esperando que as pedras as acompanhassem. Depois continuavam seu caminho roçando em outras pedras, neste jogo de sedução sem fim e sem êxito.
Foi quando, subitamente, como um corisco riscando o céu, um bichinho preto surgiu e desmergulhou em direção à superfície. Como num movimento reflexo, a mão direita da menina relampagou no espaço que a separava da água e capturou o serzinho com um pouco do líquido que ficou depositado na palma em concha.
_ Te peguei, danadinho! Quero ver se todos vocês falam ou se era só aquele do outro dia.
_ Adivinhe! Eu sou aquele mesmo do outro dia. E as anteninhas dele se mexeram como se estivesse gesticulando, que nem um italiano quando fala.
_ Mai god! - Desde que começara a estudar inglês, essa era sua expressão favorita – Carlim, Marcinha, venham ver o que achei aqui!
Chegaram rapidaente.
_ Isso é a ninfa do plecóptero, foi recitando a Márcia, você não se lembra?
_ Márcia, é o mesmo do outro dia!
_ Quem pode garantir?
_ Ele mesmo. Ele fala.
_ Ai, mai god, disse remedando a amiga, a coisa é mais séria do que estava pensando.
_ Você não acredita? Pois eu vou lhe fazer uma pergunta e você vai ver que não estou mentindo, E aproximando a boca da mão, perguntou carinhosamente ao seu refém:
_ Quem é você e o que estava fazendo aqui?
As anteninhas tornaram a se mexer e ela ouviu nitidamente.
_ Pra todo mundo que me vê eu sou apenas a ninfa de um plecóptero aguardando o fim desse estágio da minha evolução, mas, na verdade, eu sou a manifestação do espírito da natureza. Esse espírito pode se manifestar em qualquer ser que habite este planeta. E virando suas antenas para os amigos da Grace, não adianta eles ficarem me olhando com essas caras de assustados, porque eles não vão ouvir minha voz. Ela não é captada pelos ouvidos humanos. Só a alma é capaz de ouvir nossa voz.
Os dois já estavam intrigados com o jeito como a menina estava absorta na contemplação do animalzinho.
_ Que que foi, Grace?
_ Psit, ele está falando.
_ Pelo tempo e a atenção que você dispensa a esse projeto de besouro, ele deve estar fazendo um discurso, ironizou o Carlim.
Mas Grace não lhe deu a menor atenção. Estava concentrada naquele animalzinho de outro mundo. E de tal modo absorta que nem estranhava o fato de estar travando um diálogo com um ser irracional, como julgava serem os insetos.

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