Cap. I
O CAÇADOR DO SOL
Gracelaine acabara de responder ao Dr. Plecóptero, dando nota sete ao riacho em que ele estava hospedado.
Estava tudo tão confuso na cabecinha dessa menina de quase treze anos.
Durante a aula de biologia a professora inventou que deveriam fazer uma pesquisa de campo. Foram até o local chamado Piteiras para examinar a água do ribeirão que formava ali um pequeno açude onde adoravam brincar.
Deveriam observar as margens do riacho, o leito das águas, os arredores, anotando tudo que vissem e achassem interessante.
Foi aí que tudo começou.
Clarisssa, esse era o nome da professora, pegou uma peneira e raspou o fundo do ribeiro, trazendo areia, ciscos, folhas velhas meio apodrecidas e uns bichinhos que moravam naquele habitat, que era como a professora chamava os locais em que essas criaturinhas viviam. Ela falava até engraçado, terminando com um tate, habitate.
Nessa peneirada havia um bichinho estranho. Quando Grace viu o inseto, de cara ela cismou com ele. Tia Clarissa, que bicho é esse? Qual? Esse esquisito que está olhando pra mim!
Então, Grace viu a boquinha do bicho se mexendo. - Tia, ele fala? - É claro que não! - Mas eu ouvi direitinho ele dizer assim: Ei, professora, aqui embaixo, na peneira. - Você está sonhando, Laine. Esse animalzinho é a ninfa do plecóptero. Depois ele se transforma, sai da água e fica vivendo nas margens, escondidinho debaixo das pedras.
A professora só a chamava de Laine. Dizia que era mais bonito do só Grace. Parecia francês. Com ela, ou seria Gracelaine todo, ou, então, só Laine. Que podia fazer? Sentia-se até lisonjeada com o interesse da professora.
Mas Grace não escutava as explicações da professora nem percebia a presença de seus colegas. Ouviu perfeitamente quando o tal pleco não sei o quê perguntou: - posso ajudá-los em suas pesquisas? E ela mais que depressa respondeu: Claro. E ele foi em frente na sua falação: - Observei que vocês estão avaliando esse rio.
Para ele, tão pequenininho, aquele riachozinho era um rio de verdade. Mas ele continuava a falar: - Que nota vocês deram para esse trecho? Foi aí que Grace, quase sem querer, respondeu: - Nota sete.
_ Que foi, Laine? Perguntou Clarissa.
_ Nada, não! E voltou a prestar atenção nas explicações da professora.
Só que a cena do bichinho falando não saía de sua cabeça e ela se assustou com medo de estar ficando lelé da cuca.
Por fim a professora terminou a aula prática e todos voltaram para o colégio. Já era hora de irem para suas casas
A menina entrou na sala de aula desconfiada, olhando para os lados com o rabo dos olhos. Tinha certeza que os colegas estavam comentando as coisas disparatadas que ela acabara de falar lá na beira do regato.
Mas a professora liberou logo todo mundo para ir embora. Ela apanhou suas coisas e foi saindo de fininho, sem encarar nenhum colega. Apertou os passos para ver se conseguia sair na frente e não ter de responder nada a ninguém.
Já havia ultrapassado a ponte que ficava logo na saída do portão do colégio, quando ouviu que alguém vinha rápido atrás dela, quase correndo. Não quis se virar para ver quem era. Seria muita bandeira. Mas a pessoa já estava ao seu lado.
--- Gracinha, cê tá bem?
--- Tô, não. Minha cabeça tá doendo, pacas. Acho que é o sol.
--- Pode ser. Marquim me contou que ocê, na aula de campo, cismou que tinha um bichinho falando. Cê quer conversar sobre o que aconteceu lá na piteira?
--- Por quê? Cê acha que tou ficando doida?
--- Que nada. Acho que cê tava tirando um sarro com a professora.
--- Eu, não! Eu vi e ouvi direitinho tudo que aquele bichinho falou.
--- Às vezes, a gente acha que viu ou escutou alguma coisa, mas é só imaginação. Principalmente se a gente está distraído, pensando nalguma coisa diferente.
--- É, só que não foi nada disso, Carlim. Eu não tava sentindo nada. Estava prestando atenção no que a professora tava falando. Mas, na hora em que vi o tal bichinho, ouvi direitinho a voz dele.
--- E os outros, ouviram também?
--- Acho que não. Só eu que ouvi.
--- Esquisito!…
E Carlim ficou olhando para Grace. Naquela mistura de carinho, ternura e preocupação. Era alguns anos mais velho do que ela. Moravam na mesma rua e ela ia, algumas vezes, até sua casa, brincar ou estudar com sua irmã Márcia. As duas tinham mais ou menos a mesma idade e eram colegas de sala de aula.
Quando começaram essa amizade, ainda pequenas, nem prestou atenção naquela menininha de pernas finas, carinha de anjo sapeca, sempre sorrindo meio envergonhada, cobrindo a boca com a mão em concha por causa dos dentes irregulares, apesar de muito branquinhos como se estivessem sempre acabando de ser escovados.
Agora, de repente, acabava de perceber que ela se transformara. Aqueles cambitos viraram um par de pernas dignos de apreciação. Até o aparelho que usava nos dentes lhe dava um encanto especial e ela já sorria confiante. E quando ria era para valer, com a participação solidária de todos os trinta e dois que brevemente seriam apenas trinta, pois havia dois que estavam condenados. Os tais dentes do siso. Estavam apenas nascendo e já estavam empurrando seus irmãos como se fossem os donos daquela boquinha apetitosa.
__Carlim, cê volta comigo lá nas piteiras? Quero procurar aquele bichinho. Quem sabe, ele não pode estar lá ainda?
-- Bobagem, mas se ocê quiser, eu vou, sim.
-- Vou chamar a Márcia também. Ela viu o que aconteceu na aula.
Carlim soltou um suspiro de resignação. Preferia que fossem sozinhos, mas não ia dar bandeira. Tinha muito tempo para abrir o caminho do coração dessa menina.
-- Tudo bem. Depois a gente combina uma hora para irmos lá.
-- Eu vou falar com a Márcia, primeiro. Certo?
-- Certo! Até, então! ---------
O CAÇADOR DO SOL
Gracelaine acabara de responder ao Dr. Plecóptero, dando nota sete ao riacho em que ele estava hospedado.
Estava tudo tão confuso na cabecinha dessa menina de quase treze anos.
Durante a aula de biologia a professora inventou que deveriam fazer uma pesquisa de campo. Foram até o local chamado Piteiras para examinar a água do ribeirão que formava ali um pequeno açude onde adoravam brincar.
Deveriam observar as margens do riacho, o leito das águas, os arredores, anotando tudo que vissem e achassem interessante.
Foi aí que tudo começou.
Clarisssa, esse era o nome da professora, pegou uma peneira e raspou o fundo do ribeiro, trazendo areia, ciscos, folhas velhas meio apodrecidas e uns bichinhos que moravam naquele habitat, que era como a professora chamava os locais em que essas criaturinhas viviam. Ela falava até engraçado, terminando com um tate, habitate.
Nessa peneirada havia um bichinho estranho. Quando Grace viu o inseto, de cara ela cismou com ele. Tia Clarissa, que bicho é esse? Qual? Esse esquisito que está olhando pra mim!
Então, Grace viu a boquinha do bicho se mexendo. - Tia, ele fala? - É claro que não! - Mas eu ouvi direitinho ele dizer assim: Ei, professora, aqui embaixo, na peneira. - Você está sonhando, Laine. Esse animalzinho é a ninfa do plecóptero. Depois ele se transforma, sai da água e fica vivendo nas margens, escondidinho debaixo das pedras.
A professora só a chamava de Laine. Dizia que era mais bonito do só Grace. Parecia francês. Com ela, ou seria Gracelaine todo, ou, então, só Laine. Que podia fazer? Sentia-se até lisonjeada com o interesse da professora.
Mas Grace não escutava as explicações da professora nem percebia a presença de seus colegas. Ouviu perfeitamente quando o tal pleco não sei o quê perguntou: - posso ajudá-los em suas pesquisas? E ela mais que depressa respondeu: Claro. E ele foi em frente na sua falação: - Observei que vocês estão avaliando esse rio.
Para ele, tão pequenininho, aquele riachozinho era um rio de verdade. Mas ele continuava a falar: - Que nota vocês deram para esse trecho? Foi aí que Grace, quase sem querer, respondeu: - Nota sete.
_ Que foi, Laine? Perguntou Clarissa.
_ Nada, não! E voltou a prestar atenção nas explicações da professora.
Só que a cena do bichinho falando não saía de sua cabeça e ela se assustou com medo de estar ficando lelé da cuca.
Por fim a professora terminou a aula prática e todos voltaram para o colégio. Já era hora de irem para suas casas
A menina entrou na sala de aula desconfiada, olhando para os lados com o rabo dos olhos. Tinha certeza que os colegas estavam comentando as coisas disparatadas que ela acabara de falar lá na beira do regato.
Mas a professora liberou logo todo mundo para ir embora. Ela apanhou suas coisas e foi saindo de fininho, sem encarar nenhum colega. Apertou os passos para ver se conseguia sair na frente e não ter de responder nada a ninguém.
Já havia ultrapassado a ponte que ficava logo na saída do portão do colégio, quando ouviu que alguém vinha rápido atrás dela, quase correndo. Não quis se virar para ver quem era. Seria muita bandeira. Mas a pessoa já estava ao seu lado.
--- Gracinha, cê tá bem?
--- Tô, não. Minha cabeça tá doendo, pacas. Acho que é o sol.
--- Pode ser. Marquim me contou que ocê, na aula de campo, cismou que tinha um bichinho falando. Cê quer conversar sobre o que aconteceu lá na piteira?
--- Por quê? Cê acha que tou ficando doida?
--- Que nada. Acho que cê tava tirando um sarro com a professora.
--- Eu, não! Eu vi e ouvi direitinho tudo que aquele bichinho falou.
--- Às vezes, a gente acha que viu ou escutou alguma coisa, mas é só imaginação. Principalmente se a gente está distraído, pensando nalguma coisa diferente.
--- É, só que não foi nada disso, Carlim. Eu não tava sentindo nada. Estava prestando atenção no que a professora tava falando. Mas, na hora em que vi o tal bichinho, ouvi direitinho a voz dele.
--- E os outros, ouviram também?
--- Acho que não. Só eu que ouvi.
--- Esquisito!…
E Carlim ficou olhando para Grace. Naquela mistura de carinho, ternura e preocupação. Era alguns anos mais velho do que ela. Moravam na mesma rua e ela ia, algumas vezes, até sua casa, brincar ou estudar com sua irmã Márcia. As duas tinham mais ou menos a mesma idade e eram colegas de sala de aula.
Quando começaram essa amizade, ainda pequenas, nem prestou atenção naquela menininha de pernas finas, carinha de anjo sapeca, sempre sorrindo meio envergonhada, cobrindo a boca com a mão em concha por causa dos dentes irregulares, apesar de muito branquinhos como se estivessem sempre acabando de ser escovados.
Agora, de repente, acabava de perceber que ela se transformara. Aqueles cambitos viraram um par de pernas dignos de apreciação. Até o aparelho que usava nos dentes lhe dava um encanto especial e ela já sorria confiante. E quando ria era para valer, com a participação solidária de todos os trinta e dois que brevemente seriam apenas trinta, pois havia dois que estavam condenados. Os tais dentes do siso. Estavam apenas nascendo e já estavam empurrando seus irmãos como se fossem os donos daquela boquinha apetitosa.
__Carlim, cê volta comigo lá nas piteiras? Quero procurar aquele bichinho. Quem sabe, ele não pode estar lá ainda?
-- Bobagem, mas se ocê quiser, eu vou, sim.
-- Vou chamar a Márcia também. Ela viu o que aconteceu na aula.
Carlim soltou um suspiro de resignação. Preferia que fossem sozinhos, mas não ia dar bandeira. Tinha muito tempo para abrir o caminho do coração dessa menina.
-- Tudo bem. Depois a gente combina uma hora para irmos lá.
-- Eu vou falar com a Márcia, primeiro. Certo?
-- Certo! Até, então! ---------
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