sexta-feira, 24 de abril de 2009

LST CAP. I - O CAÇADOR DO SOL - Continuação.

E a ninfa do plecóptero, toda prosa, continuou sua falação:
_ È que eu estou prestes a completar esta fase da minha evolução e me transformar num lindo espécime da complexa cadeia alimentar da natureza. Acontece que, por um desses lances insólitos, de repente comecei a entender as coisas, em suma, acho que fiquei racional, como vocês humanos costumam dizer. Apesar de minha aparência física continuar como inseto, minha capacidade intelectual já ultrapassou a da humanidade.
_ Sem condições! Olhe só o seu tamanho. Não tem espaço para abrigar um cérebro nem de galinha, como vai ter mais capacidade que o nosso cérebro?
_ Você já ouviu falar em chip, tenho certeza. Pois é, a inteligência e a capacidade intelectual de vocês ainda estão presas ao sistema milenar de massa encefálica, neurônios, hormônios e outros ônios. A natureza me fez pular esta fase. Minha filha, eu sou chipado. Por que é que você está me ouvindo? Aliás, você não está me ouvindo. Eu me comunico com você por um sistema muito mais evoluído. Você me olha e entende minha mensagem. Tudo que você pensa eu capto imediatamente.
Grace pensou em desafiar a falastrice de seu interlocutor. Não vou responder. Quero ver se ele realmente lê meu pensamento. Que bichinho mais metido.
_ Que bobagem! É claro que sei o que você está pensando. Não é bem um desafio, é um teste. E é válido. Só que eu não sou metido. Tenho consciência de minha capacidade. Vou lhe explicar em detalhes nossas diferenças.
Deu uma contorcidinha, procurando se ajeitar no tiquinho de água que ficara na mão da menina. _ Sabe, eu preciso de água para sobreviver enquanto estiver nesse estágio de ninfa.
_ Você não engoliu essa história de eu ter um chip. Não é bem isso, não. Na verdade, não tenho chip nenhum. Foi só uma comparação. A revolução que o chip representou na eletrônica é semelhante à que representará na biologia essa concepção futurista de inteligência. Como pode ser isso, você está pensando, e porque foi acontecer num bichinho à toa desses e não num ser humano? Muito simples. Vocês humanos não têm a mania de usar os animais para suas experiências? Pois é, a Natureza aderiu à moda de vocês. Eu sou um dos protótipos. Não sabe o que é protótipo. Me cansa. Procure num dicionário, depois.
Grace não gostou da esnobada que recebeu daquele tipinho. Mas esse balde de água fria a trouxe de volta à realidade. O que será que esses dois estarão pensando? Levantou os olhos procurando-os e percebeu que eles estavam na mesma posição do início do seu diálogo com o inseto. Parece até que acabava de escutar o Carlim dizer que ela estava escutando um discurso. Foi como se as coisas que a ninfa lhe dissera estivessem dentro de sua cabeça. Como se fossem pensamentos seus. Na verdade, o tempo não havia passado. E o Carlim continuou:
_ Como é, Gracinha, vamos voltar? Você já achou seu bichinho. Agora jogue ele de volta na água, coitado. Senão ele vai morrer.
Foi só a Grace olhar para seu novo amiguinho e sentir seu apelo.
_ Não me deixe aqui. São muitos os predadores e eu preciso contar muitas coisas para você. Faça o seguinte, me leve com você. Só preciso permanecer na água por mais um tempo. Assim que acontecer minha metamorfose não haverá mais necessidade de me manter dentro d’água. Aí eu poderei voar. Mas agora eu estou correndo um risco muito grande. Numa dessas minhas piruetas aquáticas vou me agarrar a um ramo que esteja acima da superfície e aí aguardo minha transformação. Imagine só quanto risco estarei correndo. Poderei virar comida de pássaros. Quando eu, finalmente, virar um glorioso plecóptero, ainda não estarei seguro. Se cair na corrente, com minhas asas meio úmidas, acabarei na barriguinha de algum peixe. Vamos, arranje um recipiente com um pouco de água e me leve para sua casa.
_ Carlim, eu quero ficar com essa ninfa. Quero acompanhar sua evolução. Assistir o processo de sua metamorfose.
_ Está bem, princesa. Vou ver o que posso fazer. Se tivéssemos trazido uma garrafinha com água, agora seria fácil.
Saiu andando devagar às margens do ribeirão até encontrar uma touceira de inhame brabo. Com o canivete Victorinox, que ganhara de seu tio no dia do aniversário e do qual não se apeava nunca, cortou uma folha sem defeito, dobrou-a formando uma concha e apanhou um pouco d’água.
_ Pronto. Coloque sua preciosa carga aqui dentro e vamos embora.
_ Brigadim, Carlim. Quando você casar eu vou dançar muito.
_ Só se for comigo, beleza!
Ela olhou para ele e lhe deu um muxoxo que ele achou adorável.
_ Lá em casa tem um aquariozinho velho, encostado. Vou colocar água nele, umas pedrinhas no fundo igual aqui no ribeirão e vou colocar o pleco nele.
_ O, o quê?
_ O pleco, uai. Não é plecóptero? Então, pleco.

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