sexta-feira, 17 de junho de 2011

OS RAIMUNDOS

Foram quatro em minha vida, também eu meio Raimundo. Ao primeiro devo a vida. Do outro, tio por afinidade, o famoso tio torto, guardo as melhores recordações de minha infância. Era só começarem as férias de julho e tava na garupa do cavalo da tia Terezinha rumo ao Capim Gordura. Adorava aquele colchão recheado de palhas de milho afofadas na hora de deitar. Era como um mergulho sem fim naquela fofura. E sonhava com os passarinhos que íamos apanhar no dia seguinte. Não havia essa preocupação com a preservação da fauna, como hoje. Também não estavam tão ameaçados de extinção, como hoje. À noite, ficávamos na cozinha de chão batido fabricando gaiolas e alçapões com talos de embaúba e varetinhas de bambu, depois da ceia. O almoço era por volta das nove horas da manhã. Café de garapa de cana com broa de fubá por volta do meio dia, jantar às três horas da tarde e ceia à noitinha, quando começava a escurecer. A tia e os meninos pequenos iam dormir e nós permanecíamos mais um pouco. O Geraldo que já tinha uns quatro ou cinco anos nos acompanhava. De vez em quando remedando uma vizinha deles o trem tá feio, comadre, tamo perdidos, cumpadre. Quando iam começar as aulas tinha de voltar pra casa. Uma vez levei uma gaiola, que havíamos feito nesses serões noturnos, com um alçapão incluído nela. Na parte de cima da gaiola, de forma que era a coisa mais fácil fazer um passarinho passar do alçapão para a gaiola. Era só levantar uma taquarinha e abria-se a passagem. Cheguei em casa, com aquele elefante branco e um frango que havia ganhado do tio Raimundo numa aposta com o ossinho da espora de outro frango que tínhamos comido no almoço. Meu pai me falou o que que adianta, você não tem chama para pegar algum passarinho. Realmente não tinha nenhum passarinho preso e sem a tal chama não havia possibilidade de apanhar outros. Assim mesmo armei o alçapão, coloquei arroz em casca dentro e dependurei na cerca da divisa com a nossa vizinha Dona Lúcia, filha do Sr. Bulé, que a cidade toda chamava de tio Bulé. E não é que horas depois, ao voltar, havia um lindo curió preso no alçapão da gaiola? Sem chama, nem nada. Nem curiós a gente via por ali. Tanto que o Afonso da tia Tereza, irmã da Sá Maria Augusta, mãe do Sr, Raimundo Nonato, ficou entusiasmado e me convidou para irmos ao mamoeiro, onde havia notícias de muitos curiós. Íamos apanhar mais um pra mim e outro pra ele. Só que no caminho encontramos com o Bitinho. Ele trazia uma gaiola com um curió maior do que o meu e com um penacho na cabeça. Ofereceu troca, na orelha. Que o dele era muito melhor do que o meu, que nem piar não piava direito. E o Afonso caladinho. Troquei. O curió que fora do Bitinho não deu nem um pio e não pegamos mais nenhum curió. Voltei pra casa sem graça e achando que fiz besteira. Meu pai confirmou. Esse curió tá é muito velho. Vai morrer um dia desses. Não durou nem uma semana e o encontrei morto na gaiola de talos de embaúba e taquarinhas de bambu. Foi minha primeira e última relação com curiós. E sempre cismei que o Afonso teve culpa nesse meu negócio. Ele disse que não podia dar palpite. Mas o encontro foi muito suspeito. E depois esse meu ex-curiozinho apareceu na casa do Afonso e cantando que fazia gosto. Mas canários, depois tive muitos.


Outro Raimundo acabou de nos deixar. Era Raimundinho. Tio de sangue, irmão de minha mãe. Pequeno, irrequieto e quietinho como um tico-tico. Passarinho que nunca matei. Sempre achei que eles eram tão mansinhos que seria covardia. Dele vou falar numa próxima postagem. Noutra falarei do quarto Raimundo. Do primeiro me ocuparei em outras postagens, pois dele tenho inúmeras histórias que estava guardando com intenção de inseri-las numa história maior que até comecei a editar nesse espaço, lá no início do blog. Mas está tão difícil esse livro sair que vou contá-las aqui mesmo. Se esse livro algum dia vier a lume, elas tornarão a sair com alguns adereços a mais.










AV.

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