segunda-feira, 28 de novembro de 2011

OS RAIMUNDOS III (continuação)

Esse, dos quatro, o mais novo. Agora, já entradinho nas eras, mas continua ainda o mais novo da turma. Essa, a vantagem da Matemática. Existe uma época da vida em que a gente tem o dobro ou a metade da idade de alguém. Essa relação vai se modificando a favor do mais velho. Eu tinha vinte anos e você, dez. Nos meus trinta, você vinte. Você tinha metade, agora tem dois terços. Quando eu chegar aos cem você terá noventa. Noventa por cento da minha idade. Eu, mil, você novecentos e noventa anos: igual a noventa e nove por cento. Acho que no final dos tempos, no infinito, teremos a mesma idade, ou você será mais velho do que eu.


Mas o Raimundinho está mais perto de mim. Nossa diferença não chega a três anos. Desde pequeno com o bumbum virado pra lua. Quer coisa melhor do que morando junto com a avó, ser afilhado dela? Porque fomos criados todos juntos, pai, mãe, avô, avó e tias. As tias foram se casando e indo embora. E o afilhado sempre protegido pela vovó-dindinha. Artes e mal feitos só os outros cometiam. Se fosse para apanhar era só correr e se esconder atrás da saia comprida que ninguém tinha coragem de desrespeitar a mãe ou a sogra. Ovo fresco todo dia. Os outros, o outro principalmente, só se assaltasse o ninho logo depois da galinha botar.


Tínhamos as obrigações diárias. Descascar milho, socar o arroz e o café, cozinhar banana verde e depois misturar com fubá e tratar dos porcos, debulhar o milho no debulhador grande de madeira e manivela. Nessas tarefas ao ajudar o afilhado, ela acabava ajudando a todo mundo e era muito bem vinda.


Mas quando a avó ia rezar o terço, sentadinha no banco comprido do corredor, iam os três pedir vó conta uma história. E ela contava a história de Joaozinho e Maria. Água meus netinhos. Azeite minha vó. E a vó da história morria assadinha pelos meninos da história. E a gente não sabia se tinha dó da outra avó ou dos meninos coitadinhos que se perderam na floresta e foram achados pela bruxa má que gostava de comer meninos gordinhos e assadinhos. Que nem na história dos porquinhos, só que esses tinham até casas e chaminé pra queimar a bunda do lobo mau.


Mas nem sempre a história chegava ao seu final. A vovó tinha a mania de começar a contar história e fechar os olhos enquanto falava. Deve ser porque sabia a história de cor ou para dar um cochilozinho enquanto automaticamente continuava a desfiar as peripécias dos dois heróis. E a gente sorrateiramente saía de fininho e a deixava falando sozinha. Quando ela abria os olhos e não via ninguém, ficava embrabecida e era uma semana sem histórias. Aí entrou em cena o afilhado. Era só a gente começar a sair e ele delatava. Vó tão saindo. E nós tínhamos de voltar se quiséssemos continuar tendo contadora de histórias todos os dias.


E tão malandro foi ficando que quando nossa irmã reclamou que ele não apanhava, inventou de dizer que ela também não sentia a dor das varadas porque a saia dela protegia as pernas. Aí ela sugeriu que ele vestisse suas saias e dispensasse a proteção avoenga. Quem disse que ele topou...


Depois, os depois estragam tudo, nos separamos. Fui para um lado e ele foi para outro ainda meninos por volta dos dez anos. Quando voltamos a conviver já éramos pós adolescentes, quase adultos. E voltamos a nos separar de novo, apesar de estarmos na mesma empresa e na mesma labuta. Agora que já temos todo o tempo, continuamos cada um do seu lado, pelo menos tendo ainda um elo de ligação que nos aproxima um pouco periodicamente. Viva a Naná.




AV.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

OS RAIMUNDOS (continuação)

Estão faltando dois Raimundos para completar os quatro que fizeram parte de minha vida. Mas hoje ainda estou me referindo ao último que partiu. É que, muito gentilmente, o Nonato da RKG me informou que tem um vídeo com o tio Raimundinho. Mandei-lhe uma mensagem e ele me autorizou colocá-lo neste espaço à disposição de vocês.



Aproveito para informar que existem muitos outros vídeos espetaculares no endereço:
http://www.youtube.com/watch?v=WcQCbOHukCE



Este vídeo do tio Raimundinho é maravilhoso. Focaliza a vida dele, como ele a viveu. Trabalhando, conversando, se orgulhando de Marliéria, sem abdicar de suas convicções, de suas idéias políticas. Vejam e se lembrem dele.
Então, é só clicar no endereço fornecido acima e se deliciar com as imagens e diálogos registrados.




AV.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

OS RAIMUNDOS (continuação)

Então, o sr. Raimundo nos surpreendeu. Teve uma melhora significativa nesta semana. Os rins voltaram a funcionar e a pneumonia está sob controle. Mas o estado dele não deixa de ser grave. Seu maior inimigo é a idade. Toda aquela energia que ele tinha foi gasta na luta contra as infecções do pulmão e dos rins. Agora ele está muito fraco e não suportaria outra infecção.




Era esse o discurso do doutor Eduardo, ou outro plantonista, toda tarde na UTI do Hospital Márcio Cunha. De vez em quando estava outro médico de plantão, mas o discurso não variava muito. Até que no último domingo, o plantonista era nada mais, nada menos que o doutor Emerson. Aquele mesmo que atendera, anos antes, nos postos de saúde da cidade de Marliéria, outrora Babilonia eterna. Foi um encontro cheio de recordações, pois ele fora o médico que acompanhou duas irmãs e o cunhado desse sr. Raimundinho. Mas seu parecer também não destoou da opinião de seus colegas.
Hoje amanheceu, surpreendetemente, um dia chuvoso. Graças a Deus que a secura do ar já estava incomodando. Essas lembranças estavam cochilando na lista do blog desde 20 de junho. Seis, sete ou alguns dias mais após esses encontros com os médicos que o acompanharam no seu estágio na UTI do HMC. Que para tudo nessa vida, até para nos despedirmos dela, precisamos de uma preparação.
Agora, de uns dias para cá, assim que vim retomar meus plantões com Naná, começaram a aparecer pessoas interessadas em adquirir o que era dele. É a lei da vida. E a gente fica sem entender como aquele sitiozinho dele pode continuar existindo sem ele. Parece que o certo era ele estar lá. Distribuindo entre as pessoas o que colhia. Os quiabos, as laranjas e as mexericas. Dizendo para a Edna, quando eu for embora quero que todo mundo se lembre de mim como uma pessoa que não tinha dó de dar o que tenho. Só não gosto quando entram lá fora de horas para roubar. Apanham as laranjas verdes, estragam as plantas, quebram os galhos. Pra que? Não precisa. É só pedir que eu dou, mas quando estiverem maduras.
Foi aí que me lembrei desse meu compromisso com ele. Preciso continuar com os Raimundos. Depois dele, ainda ficam faltando dois.

Ele tinha sido taxativo quando conversávamos. Conversas sadias sem premonições tristes. Depois dessa operação que preciso fazer, vou parar com essa fazeção de rapaduras. Tou sentindo que esse serviço ta muito pra mim. E a Dinha vive me falando que eu preciso parar com esse serviço. Gozado que ela mesma, agora, arrumou essa serviçama de fazer essa biscoitama toda. E fica querendo me governar. Já apareceram muitos perguntando se eu não vendo essa área. Vou vender a parte do canavial e ficar com a minha casinha só. Mas quero vender para alguém da família. Primeiro porque assim vou poder morar nela, tendo companhia perto. Não tenho coragem de morar ali sozinho, longe de todo mundo. Depois porque acho que nossa cidade precisa de mais moradias. Só vendo com a condição de ser para construir. E se eu vender para alguém de fora e aparecer alguém de casa falando que queria ter comprado vou ficar muito chateado.

E assim tio Raimundinho ia me contando seus planos. Um dia, estávamos indo para fazer mais alguns dos infindáveis exames a que se submeteu antes da cirurgia, e assim de repente tirou do pulso um relógio SEIKO daqueles que foram muito populares da década de sessenta/setenta do século passado e me perguntou, você quer esse relógio? Levei um susto. Mas por que tio Raimundo? Havia momentos que ele me parecia tão grande que não conseguia chamá-lo no diminutivo. Não gosto mais desse relógio. Se deixar ele fora do pulso ele para e depois é uma dificuldade para acertar. Bons são esses a bateria e eu tenho um monte deles. Comprados no camelô mas andam direitinho que nem os outros. Esse aqui já ofereci ao Sonson mas ele disse que não usa relógio. Ofereci ao Cor Jesus e ele também disse que não gosta de relógio. Se você quiser, ele é seu. É claro que quero, muito obrigado.

Só o tirei do braço para mandar fazer uma revisão e trocar a lente que estava trincada. Também, se tirar ele para. Aposentei meu Casio digital, velho de guerra, que me acompanhava hà uns vinte anos.

Tinha essa necessidade de agradar, de ser generoso. E foi.
Quando inventaram de promover, anualmente, um encontro dos descendentes de seus pais, ele já era o último dos tios vivos e em condições de comparecer, além de quatro cunhadas que agora são três e de uma irmã que já vivia em silêncio, quietinha em sua cama, alheia a tudo e a todos. E ele aderiu com prazer. Não faltou a nenhum, nem a esse último, depois de sua partida, que ele foi o parente mais presente. Estampado no peito e nos corações de cada um. É que havia dito, em segredo, a alguns sobrinhos que esse ano queria doar as camisetas que são confeccionadas a cada encontro. Como o segredo foi de polichinelo, muitos sabiam dessa intenção e a levaram em frente. Mesmo porque ele já havia providenciado os recursos para a empreitada.

Tio Raimundinho, você não foi embora. Sua presença está muito forte aqui entre nós. Como dizia Guimarães Rosa, você agora está encantado.






AV.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

TIO RAIMUNDINHO POR DEBORA

Meu pai!

Ontem, enquanto voltava para casa, depois de acompanhar a despedida de tio Raimundinho não consegui parar de pensar e precisava escrever esses pensamentos para vocês.


Me lembrei de chegar a Marliéria com vocês e sempre passar pela casa de tia Rita olhando pela janela. Você sempre buzinava quando avistávamos alguém na janela e nós três, no banco de trás, nos acotovelávamos dando tchau e acenando para quem estivesse observando a rua. Eu tinha certeza que eles sabiam quem estava buzinando e ficava feliz quando recebia o aceno de volta.


O tempo passou e fiquei sabendo que tia Rita não mais enxergava, mas você continuava a buzinar e eu continuava a acenar. Também porque, naquela janela, avistávamos Pandeiro e tio Raimundinho sempre a observar a rua.


O tempo passou, cresci, comecei a chegar em Marliéria dirigindo o carro, mas continuava a buzinar ou acenar pela janela. Eu me casei, Tia Rita se foi, o carro ganhou novos ocupantes, mas o aceno para o rosto na janela continuou.


Se encontrava com tio Raimundinho pela rua sempre cumprimentava: “ oi tio!”. E ele respondia com um sorriso ou aceno e eu saia feliz.


Um dia me dei conta que talvez ele nem soubesse mais quem eu era, talvez não me reconhecesse mais, afinal não era mais criança e sobrinhos ele tinha aos montes. Mas o hábito continuou afinal eu sabia quem ele era: irmão da minha avó, seu tio. E depois de tantos acenos era impossível passar por ele sem cumprimentar.


O tempo continuou passando, os atropelos da vida nos levam a lugares diferentes, a encontros e desencontros. E de repente me vejo de novo tendo mais contato com tio Raimundinho, primeiro as festas de família que nos forçam a conviver com pessoas que sabemos que existem, mas que não temos contato regular. E ele ocupou o lugar de único representante da primeira geração que fazia parte dessa festa. A vó ainda estava por aqui, mas recolhida em seu silêncio de tantos anos. E ele lembrava ela, pequenino, discreto. Depois, nos últimos tempos, voltei a ouvir mais dele. Ele te procurava para ir ao médico, fazer exames. E fui escutando e relembrando histórias sobre a vida dele. E me perguntava porque ele não tinha constituído família, nunca se casou, viveu sozinho. E achava, a cada dia, que ele se parecia ainda mais com a vó.


Acompanhei os preparativos para a cirurgia dele e me lembro do seu rosto durante o almoço aqui em casa em um dos dias que precisou ir ao hospital. Torci muito para que a cirurgia desse certo e para que ele se recuperasse. Mas Deus não quis assim e ele se foi.


Mas durante a missa, vendo a emoção de cada um, percebi que eu havia tido pensamentos errados sobre a vida dele, ele não tinha uma família, ele pertencia a todas as famílias dessa grande família, grande em todos os sentidos, em número de pessoas, em histórias de superação, em histórias de recuperação.


E assim como a minha avó ele foi teimoso até na hora de ir. Contrariou quase todos os diagnósticos: combateu a pneumonia, fez os rins voltarem a funcionar, controlou a pressão. Parecia querer ficar, mas não conseguiu acordar. Ou talvez tantas orações o estivessem segurando aqui. A sua hora tinha chegado, era preciso se despedir pois a força da vida sempre nos obriga a caminhar. Então só me resta pedir a Deus para que ele seja bem recebido lá em cima, para que continue seu caminho de evolução e para que consiga nos inspirar aqui em baixo. Com certeza a sua história tem muita coisa a nos ensinar. Cabe a cada um ver e aprender.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

OS RAIMUNDOS

Foram quatro em minha vida, também eu meio Raimundo. Ao primeiro devo a vida. Do outro, tio por afinidade, o famoso tio torto, guardo as melhores recordações de minha infância. Era só começarem as férias de julho e tava na garupa do cavalo da tia Terezinha rumo ao Capim Gordura. Adorava aquele colchão recheado de palhas de milho afofadas na hora de deitar. Era como um mergulho sem fim naquela fofura. E sonhava com os passarinhos que íamos apanhar no dia seguinte. Não havia essa preocupação com a preservação da fauna, como hoje. Também não estavam tão ameaçados de extinção, como hoje. À noite, ficávamos na cozinha de chão batido fabricando gaiolas e alçapões com talos de embaúba e varetinhas de bambu, depois da ceia. O almoço era por volta das nove horas da manhã. Café de garapa de cana com broa de fubá por volta do meio dia, jantar às três horas da tarde e ceia à noitinha, quando começava a escurecer. A tia e os meninos pequenos iam dormir e nós permanecíamos mais um pouco. O Geraldo que já tinha uns quatro ou cinco anos nos acompanhava. De vez em quando remedando uma vizinha deles o trem tá feio, comadre, tamo perdidos, cumpadre. Quando iam começar as aulas tinha de voltar pra casa. Uma vez levei uma gaiola, que havíamos feito nesses serões noturnos, com um alçapão incluído nela. Na parte de cima da gaiola, de forma que era a coisa mais fácil fazer um passarinho passar do alçapão para a gaiola. Era só levantar uma taquarinha e abria-se a passagem. Cheguei em casa, com aquele elefante branco e um frango que havia ganhado do tio Raimundo numa aposta com o ossinho da espora de outro frango que tínhamos comido no almoço. Meu pai me falou o que que adianta, você não tem chama para pegar algum passarinho. Realmente não tinha nenhum passarinho preso e sem a tal chama não havia possibilidade de apanhar outros. Assim mesmo armei o alçapão, coloquei arroz em casca dentro e dependurei na cerca da divisa com a nossa vizinha Dona Lúcia, filha do Sr. Bulé, que a cidade toda chamava de tio Bulé. E não é que horas depois, ao voltar, havia um lindo curió preso no alçapão da gaiola? Sem chama, nem nada. Nem curiós a gente via por ali. Tanto que o Afonso da tia Tereza, irmã da Sá Maria Augusta, mãe do Sr, Raimundo Nonato, ficou entusiasmado e me convidou para irmos ao mamoeiro, onde havia notícias de muitos curiós. Íamos apanhar mais um pra mim e outro pra ele. Só que no caminho encontramos com o Bitinho. Ele trazia uma gaiola com um curió maior do que o meu e com um penacho na cabeça. Ofereceu troca, na orelha. Que o dele era muito melhor do que o meu, que nem piar não piava direito. E o Afonso caladinho. Troquei. O curió que fora do Bitinho não deu nem um pio e não pegamos mais nenhum curió. Voltei pra casa sem graça e achando que fiz besteira. Meu pai confirmou. Esse curió tá é muito velho. Vai morrer um dia desses. Não durou nem uma semana e o encontrei morto na gaiola de talos de embaúba e taquarinhas de bambu. Foi minha primeira e última relação com curiós. E sempre cismei que o Afonso teve culpa nesse meu negócio. Ele disse que não podia dar palpite. Mas o encontro foi muito suspeito. E depois esse meu ex-curiozinho apareceu na casa do Afonso e cantando que fazia gosto. Mas canários, depois tive muitos.


Outro Raimundo acabou de nos deixar. Era Raimundinho. Tio de sangue, irmão de minha mãe. Pequeno, irrequieto e quietinho como um tico-tico. Passarinho que nunca matei. Sempre achei que eles eram tão mansinhos que seria covardia. Dele vou falar numa próxima postagem. Noutra falarei do quarto Raimundo. Do primeiro me ocuparei em outras postagens, pois dele tenho inúmeras histórias que estava guardando com intenção de inseri-las numa história maior que até comecei a editar nesse espaço, lá no início do blog. Mas está tão difícil esse livro sair que vou contá-las aqui mesmo. Se esse livro algum dia vier a lume, elas tornarão a sair com alguns adereços a mais.










AV.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

RAIMUNDINHO POR DILMA

ULTIMA HOMENAGEM A TIO RAIMUNDINHO

Tio Raimundinho, não sei se tenho
propriedade pra falar do senhor,
mas vou tentar.

Tive o privilégio de conhecê-lo e poder conviver
ainda que por muito pouco tempo pelo meu querer
e agora vou dizer
o que de você me deixou transparecer.

A mim me parecia um menino
ainda que crescido, mas nem tanto
seu olhar travesso, apesar de tímido,
quietinho no seu canto.
Aqueles olhos miúdos, mas espertos
viviam sorrindo, contentes,
querendo sempre agradar a gente.

Dizia que seus presentes eram simples, modestos,
mas não percebia quanto nos rendiam esses pequenos gestos.
O grande valor da vida está exatamente nos pequenos atos,
e que na maioria das vezes não percebemos de imediato.
Culpa dos atropelos do dia a dia,
mas ele fazia o que podia.

Muitos aqui o conheciam, na sua Fazenda todo dia,
Pera lá. Fazenda? Fazenda sim senhor,
Fazenda de garapa, de rapadura, de melado
e de amor.
Que alguns mal esperavam sair do tacho para se lambuzarem.

Botava o papo em dia, enquanto trabalhava
sempre com os amigos que por lá passavam.

Depois da tarefa terminada, sua rapadura oferecia,
e quem já conhecia, de imediato comprava,
o que muito o agradava, pois assim entendia
que o trabalho compensava.

Alguém já disse uma vez: "É nos pequenos frascos que se encontram os melhores perfumes". Perdemos hoje dessa geração de nove irmãos: Rita, Dina, Zito, Luis Tenente, Nicolau, Arsênio, Bebé, Nazinha e tio Raimundinho, o último dos "mói-canas".
Não Teremos mais do tio Raimundino, na sua deliciosa fazenda, a garapa a rapadura e o melado. Mas, com certeza, continuaremos nos lambuzando nas doces lembranças de seus pequenos gestos repletos de grande carinho e amor.
Um grande abraço e um grande beijo, já que a sua torcida do céu foi mais aguerrida que a da terra. Resta-nos nos contentarmos com as boas lembranças e a imensa saudade que vai deixar.
Quero finalizar, se conseguir... se não conseguir, tenho certeza que todos aqui poderão me ajudar, prestando-lhe uma homenagem, cantando uma música que tem tudo a ver com a sua vida, segundo o meu entendimento. Peço perdão se não fui de todo justa, mas tenho a certeza que neste momento cada um aqui presente estará lhe prestando uma homenagem, lembrando-se daquilo que não pude viver ou contar.

Debulhar o trigo,
recolher cada bago do trigo.
Forjar no trigo o milagre do pão.
Decepar a cana,
recolher a garapa da cana.
Roubar da cana a doçura do mel.
Se lambuzar de mel.
Afagar a terra,
conhecer os desejos da terra,
cio da terra, a propícia estação
e fecundar o chão.

(Dilma, toda emocionada na despedida do tio Raimundinho, em 15 de junho de 2011).

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

MEU LIMOEIRO...

Meu limão, meu limoeiro, meu pé de jacarandá. Uma vez tindô lêlê, outra vez tindô NHANHÁ.
Enquanto pôde e os pensamentos ainda desembaralhados nunca se esquecia de perguntar e o meu limoeiro, ainda tem jabuticabas? Tem, sim. Que ninguém pode ser tão louco de acabar com aqueles pés de jabuticabas. E os pés de manga?
Mas o que mais frutificou naquele Limoeiro foi a árvore do amor.
De certa feita, de tanto ouvir falar no Limoeiro. Acho que o Ivo era meu colega de sala. Na terceira série? Não faz mal.
Mãe posso ir com os meninos de tia Nhanhá passar o fim de semana lá? Peça ao seu pai. Pedi. Peça a sua mãe. Mãe, o pai falou que se a senhora deixar, eu posso ir. Então pode, tenho muita ficheza com Zezé e Nhanhá. Mas não me vai fazer arte lá, senão é a última vez. Ficheza não encontrei em nenhum dicionário, nem com "X" nem com "ch" como resolvi escolher. Mas que existe, existe. Todos podem comprovar. Acho que com "ch" é mais lógico. Viria de "ficha". Quem tem ficha com alguém é porque tem crédito, tem confiança. E confiança tem que ser mútua.
Mas sexta-feira, depois da aula, a turminha tomou o caminho da Onça. Waldemar, ou Juarez era o líder. Acho que era o Waldemar porque fiquei sabendo, por causa de outra história, que o Juarez foi aluno da tia Dulce e no meu tempo de escola tia Dulce já não morava mais em Babilônia. Mas isso é apenas um detalhe e nós nem somos Roberto Carlos.
De noite, luz de lamparina, todo mundo pra cama cedo. Depois de rezar o terço? Nem me lembro, mas acho que sim. E aí o Gonzaga começava a chorar. Me lembrava do seu xará famoso e comentava é a sanfona do Luiz Gonzaga. Só que uma tia indiscreta me garantiu que, lá, todos foram chorões. O Juarez então era de amargar. Ela se lembrava muito bem da Nhanhá socando arroz no pilão com uma mão só, enquanto a outra segurava o Juarez enganchado nas suas cadeiras.
De madrugada alguém acordou e deu por falta das vacas que deveriam estar deitadas no terreiro, aguardando pacientemente a hora de se verem aliviadas do peso do leite armazenado em seus peitos para alimentar seus filhos berrões e os filhos dos outros. Já desconfiado, foi verificar a roça de milho e feijão mesmo em frente, do outro lado do ribeirão, e flagrou a turma toda se locupletando com a comida proibida, que nem os deputados/senadores com o nosso dinheiro. Alarme dado, acordamos todos e fomos retirar o gado da roça. Gonzaga e as meninas, ainda muito pequenas, ficaram em casa e quando voltamos fomos brindados com uma panelada de leite temperado e broas de fubá. Deixem-me fazer justiça ao Gonzaga. Ele tinha só uns três ou quatro anos. Agora já não deve ser tão chorão assim. Se já tivesse jogado futebol contra ele, poderia responder com certeza.
Nhanhá era daquelas pessoas que emanam doçura. Virou tia Nhanhá para mim por causa da sua sobrinha. Tinha por ela o maior carinho. Mas, me penitencio, lhe dei muito pouco do meu tempo. Por que é que a gente sempre age assim? Gosta mas não demonstra. Admira mas não rende homenagens. Ama e não diz eu te amo.
Tia Nhanhá, muito obrigado por aquele fim de semana que se incorporou à minha vida!

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

RETROSDOIS

Cá estou de novo, catucando essas teclinhas. Pensei que retornaria mais depressa. Mas essa questão de fim e início de ano é muito complicada.
Tinha feito apenas uma ameaça de falar do TiDeza. Não ficou sugestiva a grafia TiDeza? As letras maiúsculas T e D são as iniciais de "Te Deum" que significa "a Ti Deus". O título completo do canto religioso é "Te Deum laudamus" que quer dizer "a Ti Deus agradecemos (laudamos, homenageamos, etc)", mas ficou conhecido por "Te Deum". Existem composições clássicas famosíssimas desse hino. Eram executadas em cerimônias de agradecimento por conquistas e vitórias. Mas não estamos aqui para circunloquiar.
Foi só para demonstrar que TiDeza é um verdadeiro Te Deum. Ele todo, dos pés à cabeça é um hino de agradecimento. Essa família cheia de graça precisava da inserção dessa pessoa especial para se estravazar em alegria e alto astral. Quando se escreve para quem conhece TiDeza, não é preciso dizer mais nada. Ele é a alegria personalizada. Para os que não o conhecem seria preciso escrever um livro inteiro para terem uma pequena noção do que é esse homem.
Aquele violão e sua voz, nas noites dos encontros da família, são impagáveis. Quando encontra um parceiro a coisa fica midiática. Se alguém colocar num desses yutubes da vida vai quebrar recordes de acesso. E ele faz naturalmente, sem requisitar platéia nem aguardar aplausos.
Quem realmente foi premiado nessa história toda foi a rede globo. Disseram que mataram o Totó da passione porque o Tony Ramos deu um ultimatum: ou TiDeza ou eu. Viram o resultado, se deu mal.
Mas pouco depois do sucesso televisivo do TiDeza e antes do coroamento de sua alegria com o desfile do Natal, tivemos de abraçar e nos solidarizarmos com Duile, Diogo, Nenzinha, Domingos Sávio e Neide. É que dona Mariazinha já não aguentava mais de saudades do sr. Manuel, do padre Cícero, do Zé Lino e da Maria Marta e resolveu ir se encontrar com eles. Ela tinha um padre que a cumulava de carinho, mas não se esquecia do outro padre que partira tão cedo. Verdadeiro herói-mártir dos princípios da História de Ipatinga. Agora é nome de Colégio, mas ainda é muito pouco pelo muito que doou. A vida. Mas o seu ídolo já havia dito há 2.000 anos que o verdadeiro amigo dá sua vida pelo outro. Foi o que ele fez.

Só que nessa queda de braços, ele contava com um aliado super poderoso, o tempo. Foi fatal para a decisão de d. Mariazinha. Além do tempo e do padre Cícero ela tinha do lado de lá a chamá-la a circunspecção do sr. Manuel, a seriedade moleque e respeitosa do Zé Lino e a alegria da Maria Marta.

Quando trabalhei com o Zé Lino, durante um ano, lá na sua coletoria, não entendia a afobação nervosa que o assaltava quando o seu pai, sr. Manuel, chegado desapercebido da fazenda, entrava de súbito no seu local de trabalho. Depois descobri. É que o Zé Lino não abandonava seu cigarro e não concordava em fumar na presença do pai. Respeito filial. E era uma complicação apagar o cigarro antes do sr. Manuel perceber. Queimou a mão diversas vezes. Fechava a mão com o cigarro acesso... como se o sr. Manuel não soubesse que ele fumava. Mas respeito é respeito. Obrigado, Zé lino, por aquele ano de ensinamentos e camaradagem. Nunca tive oportunidade de lhe agradecer. Mas você tembém. Parece irmão do padre Cícero. Foi se aposentar e ir organizar aquela bagunça em que deveria estar as coletorias do outro lado. Sua fama já corria por lá e não lhe deram tempo nem de descansar.
Padre Duile perdeu essa queda de braços para o padre Cícero. Mas não foi derrotado. Como você disse, Duile, ela tinha lá um padre para recebê-la. Só que você não disse que ela teve aqui também um padre para lhe indicar o caminho e recomendá-la a todos que estavam envolvidos na sua viagem. Foi a viagem mais tranquila que ela poderia ter tido. A você minha admiração por sua postura como religioso e pessoa. Acredito que de toda aquela chusma que voejou daqui para Pará de Minas e debandou em seguida, você era o único que poderia vingar. Me faz lembrar até daquele sitiante que colocou duas galinhas para chocar duas dúzias de ovos e sáiu um único pintinho. Nós outros somos ovos gorados. E tenho certeza que você sozinho compensou toda a expectativa que havia sobre aquela turma toda.
Algum tempo antes da viagem de d. Mariazinha foi o sr. Erico que partiu desse vale verdejante. Nada dessa história de vale de lágrimas. Tem gente que procura motivos para chorar. O menino pessimista ganhou uma bicicleta no Natal e só lamentava. Se eu levar um tombo vou ficar todo machucado. E se algum ladrão roubar minha bicicleta? Já o outro menino ganhou uma lata cheia de estrume de cavalo e saiu todo feliz pela rua: que legal! ganhei um cavalo, vocês não viram ele por aí?
Lembranças do sr. Erico sentado no alpendre de sua casa acenando e saudando quem passasse pela rua. Fora fazendeiro para os lados da Onça. Onde criou numerosa família. Depois que todo mundo saiu de casa para a vida e a idade chegou, mudou-se para a cidade com a sua d. Nega. Ficava também mais perto dos filhos. Aliás, eles é que ficavam mais perto. Tinham diminuídas as viagens para vê-los.
Depois, quando o tempo começou a cobrar-lhe o pedágio da vida, eles acorreram em socorro. E assistiram os dois. Agora continuam assistindo a mãe d. Nega. O Hélio, um dos filhos do sr. Erico, também fez parte daquela chusma que pousou em Pará de Minas e depois alçou vôos mais longos pela vida afora.
Até retrospectivas podem ser parciais. Essa resgatou a lembrança de duas personagens que nos deixaram e não tinham recebido registro nesse blogger.
AV