Agora foi o Jurandir que resolveu passar a ver esse mundo de um ângulo mais abrangente. Foram anos de lutas contra o mal que o afligia. De lutas e de vitórias em batalhas dentro de uma guerra em que não temos chance de vencer. Temos que nos contentar com vitórias parciais, mesmo porque lutar é viver.
Conheci o professor Jurandir quando o Cartório era numa casa antiga que existia ao lado da casa do tio João, aliás, tio dele e que passou a ser tio de todo mundo. Achava a casa curiosa porque tinha uma varanda imensa em sua parte de trás. A fachada era comum a todas as casas do lugar. Na beirinha da rua, com entrada lateral. Foi nessa casa que morou o Sr. Joaquim de Assis e sua numerosa família. Depois passou a ser propriedade de um seu irmão, o Padre Joaquim, pelo que ouvi dizer. Foi nessa época que o Jurandir morou nela. Depois foi desmanchada e virou a rua que vai dar no almoxarifado da prefeitura. Foi mais uma perda do patrimônio histórico. Acredito que era uma das casas mais antigas da cidade.
O primeiro conjunto gerador de eletricidade da cidade foi instalado nos fundos dessa casa. Havia um portão por onde todos os curiosos entravam para ver o Sr. Homero lidar com o motor a óleo diesel que fazia o gerador, sob protestos, avermelhar as lâmpadas. Que eram lâmpadas demais para tão pequeno gerador. Também ele era manhoso. Só trabalhava se o sr. Homero, já com um braço só, lhe fizesse muitas promessas. Depois foi a vez do Piloloia também briquitar com esse motor. Mas isso são outras histórias...
Jurandir era professor de geografia no colégio e escrivão do cartório de registro civil e notas. Ex- seminarista, foi referência em cultura. Havia, na cidade, por sua causa, um dito popular. Quando alguém precisava descobrir alguma informação sobre qualquer assunto, todos lhe diziam, ao serem inquiridos: pergunte ao Jurandir, Jurandir é que sabe.
Batemos longos papos sobre literatura, geografia, história, que eram seus e meus pratos preferidos.
Depois ele se mudou para uma outra casa, no extremo oposto da praça. Bem na ponta do triângulo. Casa antiga que fora de seu pai, também já destruída. Gente, as casas antigas da antiga Babilonia já foram quase todas para o chão. Salvararam-se 0 sobrado do sr. Juca Pontes e a casa em que morou o Sr. Joaquim Condessa. A que foi do meu avô também já acabou. Tem só um restinho de fachada pedindo sopra, sopra que eu caio. O sobradão é exceção. Teve a sorte de ser adquirido por alguém que ama a cidade e quis presentea-la com uma reforma bem feita. Só que ele é mais novo do que essas casas a que me referi. Mas valeu o trabalho do Antônio.
Até que comprou do Murilo do Sr. Zezinho, verdadeiro João de barro, tantas foram as casas que construiu, essa em que morava atualmente e tinha seu cartório. Foi aí, não faz muito tempo, que ele me mostrou uma série de cadernos em que estava fazendo anotações genealógicas da população da cidade. Disse que conseguira mapear a árvore de sua família até o período da colonização, identificando seus ancestrais até o século dezesseis ou dezessete. Anotações que dariam uma obra de fôlego. Devem dar ainda. Os filhos não vão deixar a peteca cair.
Conseguiu publicar ETA BABILONIA no ano passado. Foi muito bom para ele e para todos nós. Trouxe-lhe vitalidade pelo dasafio da empreitada e nos deu um manual histórico de nossa cidade. Com fatos comprovados e informações que estavam a ponto de se perderem nas brumas do tempo. Eta nós!
Mas diziam que o Jurandir com aquela cara séria de pai de muitos filhos e filho do Sr. Antônio de Assis, era também muito jocoso. Pois não contavam, à socapa, entre seus alunos, para que ele não ficasse sabendo, que quando se casou, ex-seminarista, com toda aquela carga de castidade enrustida, toda vez que percebia os convidados distraidos, durante a cerimônia de seu casamento, e até no banquete que naquele tempo era obrigatório, dava um jeito de se achegar e conchichar com a noiva, sua querida Naná: olha Naná, e logo, hein Naná?!