Ela enfrentou uma barra. Ela enfrenta uma barra. Antes, estava começando. Duas filhas pequenas e uma para nascer. Enviuvou. Agora, já tem uma família completa. Netos e uma neta que adora e que a adoram. Três bisnetas. Miniaturas das três filhas. Um genro que é o filho que não teve e adoraria ter. Uma filha que enfrenta uma barra parecida com a que enfrentou. Mas a barra agora é só sua. Numa cama de hospital. Com todos ao lado. Uma torcida maior do que a da seleção. Mas quem está em campo é ela. Parece que até o juiz torce por ela. Por enquanto o jogo está empatado. Já houve lances de perigo mas tem rechaçado todos. É daqueles beques da roça que chutam pra qualquer lado. Só não deixa o perigo ficar rondando sua área.
Mas deixemos que ela jogue o seu jogo. Vejamos lances de partidas anteriores.
Sua casa era meu ponto de apoio na cidade. Até escova de dentes tinha lá de plantão. Morador de periferia, numa época que carro era como ter avião hoje. Depois dos jogos de futebol, ir até minha casa para tomar banho, jantar, era uma perda de tempo incalculável. E onde deixar a bicicleta? Na casa dela. Desde a noite em que fui encontrar minha bicicleta dentro do ribeirão, debaixo da ponte. Artes do Piloloia. Pior que o saci pererê.
E aquela noite em que fui vítima da maior tempestade, sem nem um guarda chuvinha, fui pra casa vestido com roupas de minha prima. Naquela casa só havia mulheres. E olhem que nem no carnaval nunca me vesti de mulher. Não é preconceito. É falta de jeito mesmo.
E foi na casa dela, num dia dos namorados qualquer, que uma gracinha de menina me falou o que você vai me dar hoje, no dia dos namorados. E eu tinha uma barra do chocolate "diamante negro" no bolso. E foi saque rápido. E até hoje a gente sente o gostinho daquele chocolate.
Mas nas brumas da primeira infância ainda vislumbro aquela cena. Éramos pequenos. Não sei a idade. Só sei que a tia Nazinha tinha de ir ao médico em Acesita. Aí, minha mãe aproveitou a carona para ir também e a tia Rosa foi para cuidar de nós. Parece que o Zacarias também tinha uma consulta. Ficamos na pensão do Leite, enquanto as pacientes foram para o Hospital. De vez em quando a Cor Mariae, hoje Dona Có, tia Có, vovó Có, e eu íamos até um butequinho que havia numa praça próxima, comprar doces, guloseimas. E o cara do buteco era nem mais nem menos o hoje tão famoso tio Criolo, mais conhecido por mosquito.
Acho que já estávamos na escola porque nossos papos eram cabeça. Me lembro que começamos a conversar sobre o mundo. A terra redonda. Perdida no espaço. Rodando em volta do sol. Essas coisas... e não é que de repente a Cor lançou a pergunta chave: Mãe, se o mundo arrasar, nós entorna???...